terça-feira, 22 de novembro de 2011

Teologia da Cruz e Glória







Teologia da cruz versus teologia da glória

Pregamos a Cristo crucificado (1 Coríntios 1.23)


















Horst R. Kuchenbecker











São Leopoldo, 16 de outubro de 2011











Introdução
     O centro do evangelho é Cristo crucificado. Este é o centro da pregação bíblica, da Igreja Cristã e por isso também da Igreja Luterana. Por essa razão o crucifixo, não simplesmente a cruz vazia, foi o símbolo nas igrejas cristãs desde os primeiros séculos. Isto pode ser claramente constatado em todas as igrejas antigas na Europa e em todos os países cristãos da antiguidade.
     A cruz vazia, como símbolo do “Cristo vitorioso (Christus Victor) e Senhor de nosso destino veio com os Reformados. Esta idéia, se não me falha a memória, foi introduzida em nossa IELB, quando a capela da comunidade Concórdia ao lado de nosso Seminário, no Mont`Serrat, Porto Alegre, RS, modificou seu altar, introduzindo, pelos anos 50, o altar de pedra e a cruz vazia. Dali se difundiu para outras comunidades.
     Não relegamos a ressurreição, a vitoria de Cristo, a um segundo plano, mas ela só tem verdadeiro sentido à luz do Cristo crucificado. Caso contrário, Cristo torna-se, somente, um Senhor de nosso destino, a saber, vejo em Cristo somente um senhor que satisfaz meus desejos materiais, por saúde, prosperidade a quem posso recorrer nos meus problemas terrenos.
    Hoje, de forma geral, o quadro do Cristo crucificado não cabe mais em nosso conceito religioso de “paz e amor”, porque não se conhece mais a santidade de Deus e o pecado como culpa pessoal diante de Deus. Por isso se inventaram outros símbolos mais agradáveis, como o peixe, o anzol, etc.
    Para compreender o Cristo crucificado precisamos ter clara noção da santidade e justiça de Deus, do pecado, não simplesmente como um erro, uma falha, uma fraqueza, mas como terrível culpa pessoal, pela qual mereço a ira de Deus aqui e na eternidade, a eterna condenação. Será que nossos membros têm essa clara noção? Pois, de nossos próprios membros ouvimos, por vezes, observações como: “Pastor, a expressão: Eu pobre e miserável pecador... réu da terna condenação na Confissão não cabe bem em nosso culto. Venho para o culto para ouvir algo positivo e não para receber mais uma paulada na cabeça”. Ou: “Pastor, a confissão e absolvição deveriam ser reduzidos a uma vez por mês. Precisamos ter mais louvor a Deus nos cultos”. Tudo isso é sinal de que a santidade e justiça de Deus, pecado e culpa pessoal não são mais compreendidos corretamente. Há a necessidade de pregarmos sobre o Cristo crucificado, a razão e o proveito de sua morte. Bem como sobre o que significa: Tome a sua cruz e siga-me. (Mt 16.24). Não a cruz de Cristo, mas cada qual a sua própria cruz, pois por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus (Atos 14.22).
    Daí a razão de nosso estudo sobre a diferença entre a teologia da cruz e da glória. Despertei para a necessidade deste estudo, especialmente ao ouvir estudos e sermões sobre o lema da IELB, do ano passado, 2010: Compartilhando experiências da vida com Deus (Sl 78.4). Para expor este lema corretamente, é necessário ter-se clara compreensão da teologia da cruz. O lema, no entanto, deu margem a muitas interpretações inclinadas mais para a teologia da glória do que da cruz.


Teologia da Cruz e da Glória.

I – Teologia da glória no lema da IELB: Experiências com Deus

1.1  - Teologia da Cruz em Lutero
1.2   – O Lema da IELB
1.3  - Relação entre fé e experiência
1.4 – A fé cristã
1.5 – Crucificado com Cristo
1.6 – O sentir
1.7 – Lei e evangelho
1.8 - Sentimento e experiência da fé
1.9 – Pregamos Cristo e este crucificado
1.10 – Por que Deus se oculta tão profundamente
1.11 – A relação entre fé e experiência
1.12 – O conteúdo positivo na experiência
1.13 – A vida do cristão é oculta
1.14 – A vida cristã em sofrimento
1.15 – Paz, alegria, e felicidade
1.16 – Humildade, tentação e oração
1.17 – Tentação
1.18 – Oração
1.19 – O misticismo
1.20 – Que pregaremos?

II – Teologia da glória versus teologia da cruz.

2.1 – Fé
2.2 – Culto e música
2.3 – Vida santificada
2.4 – Estrutura congregacional
2.5 -  Estratégia evangelística e missionária
2.6 – Ecumenismo
2.7 – Prosperidade


III – Bibliografia



I – Teologia da glória no lema da IELB: Experiência com Deus.

1.1 - Teologia da Cruz em Lutero
         Antes de entrar em nosso tema propriamente dito, precisamos rever, de forma breve, a Teologia da Cruz em Lutero. Deus guiou Lutero através de muitas lutas à compreensão da teologia da cruz.
     A teologia da cruz não é uma doutrina dogmática, mas um princípio de toda a teologia. Por isso ela tem a ver com o método teológico, a maneira da teologia, a partir da base em todas as direções. É o método pelo qual Lutero concebeu o inteiro conteúdo da fé cristã, a tarefa da teologia.
     Lutero, educado nas concepções teológicas da nomística[1], do mysticismo e augustianismo, passou por muitas lutas até chegar à clara visão da teologia da cruz. Ele a definiu especialmente no debate de Heidelberg (1518 – teses 21 a 28) e no Debate sobre O Valor da Indulgência[2]. Isto envolve a cristologia, a soteorologia e a Trindade[3]. Deus sofreu no Filho e ao mesmo tempo Lutero rejeitou o patripassianismo[4]. O Deus abscondito se revelou na cruz. Ali o vemos. Na idade média, pela influência do helenismo, os pais da igreja tenderam para a impossibilidade da natureza divina em Cristo ter participado dos sofrimentos. A interpretação da cristologia nestoriana, de que a natureza divina não foi tocada pelo sofrimento de Cristo. Lutero repudiou esta cristologia. Deus sofreu na cruz na unidade com a pessoa de Cristo. O sofrimento de Cristo como Deus é estabelecida na concreta unidade da identidade da pessoa de Cristo, comunicação idiomática[5]. Para Lutero, o Deus triúno e Jesus crucificado pertencem juntos. Deus é identificado com o crucificado, o que nos impele para a clara distinção das pessoas. A ênfase desta distinção, Lutero rejeitou a versão do patripassioanismo, que fala de Deus na Trindade, na qual a Trindade não sofreu. É o Filho, Jesus de Nazaré, que sofreu e morreu na cruz, não o Pai[6]. Muitos luteranos evitam dizer: Deus sofreu. Eles só falam que Cristo sofreu[7]. Lutero não admite um Cristo, no qual a divindade não sofreu[8],[9]. Neste caso não seríamos salvos. O sofrimento de Deus em Cristo é soteorológico, que está conectado à doutrina da justificação. Cristo sofreu concretamente na unidade das duas naturezas. O sofrimento de Deus é um sofrimento expiatório e nisto se revela o amor de Deus. Nesta doutrina erram os católicos e os reformados. 
      Vejamos um trecho, em que Althaus sintetiza a teologia da cruz e da glória de Lutero, ele escreve:  “A teologia da glória conhece Deus de suas obras; a teologia da cruz conhece Deus no seu sofrimento. O contexto dessa afirmação na disputa de Lutero e a referência de Lutero a Rm 1.20 e 1 Co 1.21ss. deixa claro que Lutero usa a palavra “obras” para descrever as obras de Deus na criação e no “sofrimento” para descrever a cruz de Cristo. Na mesma expressão, no entanto, ele aprofunda o significado dessa expressão: Lutero usa a palavra “obras” não somente no sentido de obras de Deus, mas também no sentido de obras das pessoas; e “sofrimento” não somente quanto ao sofrimento de Cristo, mas também ao sofrimento das pessoas. Lutero faz a transição de uma para a outra de forma natural. Isso não é uma falta de clareza ou de lógica em seu pensamento, mas está profundamente enraizado na matéria em discussão. Para Lutero, o interesse pelo verdadeiro conhecimento de Deus e o interesse pela verdadeira atitude ética não são separados e distintos, mas em última análise um e o mesmo. A teologia da glória e a teologia da cruz têm ambas implicações mútuas. A teologia natural, que busca conhecer a Deus pelas obras da criação, a metafísica especulativa; e a teologia das obras, do homem da justiça moralizante, pertencem juntas. Ambos são caminhos nos quais o homem se exalta a si mesmos ao nível de Deus. Esses dois caminhos levam as pessoas ao orgulho, ou a expressar tal orgulho. Ambos servem para inflar o ego dos homens.[10] Ambos usam o mesmo padrão para Deus e para o relacionamento dos homens com Deus: glória e poder. Nesta conexão, Lutero fala não somente da glória de Deus, mas também do amor dos homens para a glória e o louvor de suas próprias obras.
     Deus, no entanto, deseja ser conhecido e honrado conforme um padrão diferente. A cruz é oposta a ambos os elementos da teologia da glória, e isto em dois sentidos, como a cruz de Cristo e com a cruz dos cristãos. A teologia da cruz trabalha com o padrão exatamente contrário ao da teologia da glória e aplicado a ambos o conhecimento dos homens de Deus e a compreensão dos homens de si próprios e seu relacionamento com Deus. Este padrão é a cruz. Isto significa: A teologia da glória procura conhecer Deus diretamente em seu óbvio poder divino, sabedoria e glória; enquanto que a teologia da cruz paradoxalmente o reconhece precisamente ali onde ele se oculta a si mesmo, em seu sofrimento e em tudo aquilo que para a teologia da glória é fraqueza e loucura. A teologia da glória dirige a pessoa a estar diante de Deus e disputar com ele numa barganha à base de suas façanhas éticas no cumprimento da lei, enquanto que a teologia da cruz vê o homem como um que foi chamado a sofrer. A cruz da pessoa “destrói sua auto confiança, assim que agora, em vez de fazerem algo próprio, ele permite a Deus fazer tudo nela. Tal pessoa foi guiada da atividade moral para ser puramente receptiva[11]. Pois a teologia da cruz nada é do que “abandonar tudo e agarrar-se pela fé somente a Cristo” (Loewenich).
      A teologia da cruz perpassa todo pensamento teológico de Lutero. Toda verdadeira teologia é “sabedoria da cruz”[12]. Isso significa que a teologia da cruz de Cristo é o padrão pelo qual todo o conhecimento teológico é medido, quer da realidade de Deus, de sua graça, de sua salvação, da vida cristã ou da igreja de Cristo. A cruz significa que todas essas realidades são ocultas. A cruz oculta o próprio Deus. Pois ela não revela o Deus poderoso, mas desamparado. O poder de Deus aparece não direta, mas paradoxalmente sob desamparo e humilhação. Isto faz com que a graça de Deus está sob sua ira e que seu dom e benefício estão “escondidos sob a cruz”, em outras palavras, sob “sofrimentos e desgraça[13]. O mundo vê somente ira e desgraça. Visto que nós e nosso coração são parte deste mundo, nós também só sentimos ira e desgraça. Por isso, a realidade de Deus contradiz completamente o padrão do mundo. Aos olhos do mundo  - e esses são também os nossos olhos – a verdade de Deus parece ser mentira e a mentira do mundo parece ser verdade.  O mundo – e  cristãos pertencem ao mundo – julgam Deus à base do que ele faz com o que é seu e concluem que ele é um diabo.[14] O diabo, no entanto, parece ser Deus, o Senhor do mundo. Esta é a terrível impressão da realidade que este mundo dá. Todas as pessoas, inclusive os cristãos, sofrem antes que possa acontecer o milagre da fé. A pessoa que crê precisa repetidamente passar por esta experiência para a fé que reconhece a realidade da graça, verdade e fidelidade do Deus oculto no contrário[15].   
      Vamos, pois, examinar o tema:

1.2 - O lema da IELB
     O lema da IELB para o ano de 2010 foi: Compartilhando experiências da vida com Deus. O lema visou ir ao encontro de certos clamores dos congregados por sermões menos dogmáticos e mais voltados para vivências palpáveis do dia a dia na vida cristã.
     Em vista disso, pastores se esforçaram, para, em seus sermões, compartilharem
experiências. E alguns, a exemplo das seitas, convidaram pessoas para relatarem suas experiências pessoais com Deus nos cultos públicos. Pessoas voltaram de cultos e reuniões, congressos e estudos, afirmando: Foi uma grande experiência[16].
     Mas o que é uma experiência? O dicionário Aurélio o define como “um conhecimento que se obtém pela prática”. Isto nos leva à pergunta: É possível adquirir-se uma experiência “prática com Deus”? O que seria isso?
     Moisés queria ter uma experiência com Deus, mas este lhe respondeu: Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá (Ex 33.17-23). Deus é um Deus oculto (abscondito). Nenhum pecador poderá ver a face de Deus. Quando Filipe, discípulo de Jesus, pediu: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!  Jesus lhe respondeu: Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido: Quem me vê a mim, vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai... crede-me que estou no Pai, e o Pai em mim; crede ao menos por causa das mesmas obras (Jo 14.8-15). A grande obra, que Cristo realizou por ordem do Pai, foi redimir a humanidade, por sua morte expiatória na cruz. Os milagres que Jesus realizou são chamados de “sinais”[17], para mostrar que ele é o unigênito Filho de Deus, o Messias prometido, que a razão humana não pode conhecer, devido a sua revelação ao contrário, isto é, em humilhação.

1.3 - Relação entre fé e experiência
     Ao refletirmos sobre o tema: Experiência com Deus surge a pergunta: O que é a fé cristã e qual a relação entre fé e experiência?
     Antes de entrarmos no tema, cumpre lembrar alguns versículos bíblicos e algumas frases confessionais que precisamos ter sempre em mente nesta reflexão.
- Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado (1 Co 2.2).
- Nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios;      mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus (1 Co 1.23-24).
- Pois o Senhor conhece o caminho dos justos (Sl 1.6).
- Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. (Credo Apostólico, 3º Artigo, exposição de Lutero)
- E não somente isto, mas também nos gloriemos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança (Rm 5.3,4).
- Por muitas tribulações vos importa entrar no reino dos céus (Rm 8.28, 35-39).
     Deus se revelou à humanidade em Cristo, seu Filho unigênito. Esta revelação, no entanto, é uma revelação ao contrário de tudo o que o ser humano imagina e espera de Deus. O profeta Isaias afirma: Verdadeiramente, tu és Deus misterioso (abscondito, que se esconde), ó Deus de Israel, ó Salvador (Isaías 45.15). De fato, Deus age assim. Ele esconde sua onipotência, seu poder e se apresenta como se fosse fraco e sem poder[18].
  Por exemplo: O que vemos na manjedoura de Belém? O que vemos na pessoa e vida de Jesus? O que vemos na cruz? Pobreza, miséria, desprezo e morte. Os próprios judeus, como povo de Deus, interpretaram as profecias com sua razão (teologia da glória), imaginando o Salvador como um rei poderoso, que subjugaria os inimigos políticos de Israel e elevaria a nação judaica a uma potência mundial[19]. Assim ainda hoje muitos pregadores evangélicos ensinam, dizendo: Deus é poderoso. Ele não quer ver ninguém sofrendo ou passando necessidades. Quem crer nele terá vida farta e alegre (teologia da glória). Citam para isso vários exemplos de como Deus abençoou a Israel e como lhes prometeu vida farta e abençoada (Js 1.7; 1 Rs 2.3; 1 Rs 3.14; Ml 3.10 ). Aos próprios discípulos custou crer em Jesus como o Messias prometido, o Salvador da humanidade e compreender sua obra. Mesmo após três anos de instrução, eles ainda perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? (At 1.6; Jo 18.36). Jesus os admoesta: Crede! Crede o quê? Que ele, Jesus, pobre e desprezado é o Filho de Deus, o Salvador da humanidade. Exatamente esta verdade é loucura para a razão humana (1 Co 1.18). Por isso confessamos: Creio que por minha própria razão e força não posso crer em Jesus Cisto, meu Senhor, nem vir a ele, mas o Espírito Santo me chamou, iluminou com seus dons, congrega e conserva. Esta fé não é fruto da razão humana, do querer, da vontade ou decisão humana. Esta fé precisa ser dada por Deus. E Deus a dá unicamente pela pregação do evangelho da cruz de Cristo e os sacramentos (Jo 3.6; 1 Co 1.23). A Palavra de Deus e os sacramentos são os meios pelos quais o Espírito opera, confere e mantém a fé, dá forças para a vida santificada, guia e consola nas tribulações. A Palavra de Deus não é simplesmente notícia que anuncia, que oferece algo, ela é eficaz, por meio dela o Espírito Santo opera a fé e confere o que anuncia, a saber, perdão, vida e eterna salvação.
     Forças humanas, ciência, filosofia, retórica e a arte da comunicação, dons de uma pessoa não podem, por si, operar a fé cristã, a experiência com Deus. Não são nossos dons, nossa capacidade, nossa criatividade que dão forças e eficácia à Palavra de Deus, mesmo que as usamos na proclamação. Para clarificar isso, citamos a preciosa página da Dogmática de Pieper: 
     “É pura ilusão querer dar à experiência cristã o lugar da Escritura. Isto é ilusão, porque sem a Escritura não há experiência cristã. Também é desnecessário dizer que de fato há uma experiência cristã. Pois sem experiência pessoal cristã não pode haver cristianismo. Cada pessoa, que é um cristão, experimentou e experimenta diariamente no cotidiano ambos: o pecado e a graça. Ele sabe e percebe que por conta do seu pecado, ele é réu da eterna condenação. Ele sabe e percebe que pela satisfação vicária de Cristo, ele tem perdão dos pecados. Esta dupla experiência é transmitida e operada através do ensino da Palavra de Deus, de Lei e Evangelho, e não através da experiência. Para operar esta experiência do arrependimento e do perdão dos pecados, Cristo ordenou que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações (Lc 24.47). E o apóstolo Paulo, por ordem de Cristo, proclamou aos judeus e gentios: que se arrependessem e se convertessem a Deus (At 26.20). Esta Palavra, Lei e Evangelho, a igreja a tem na palavra escrita dos apóstolos. Quando a igreja prega a Palavra, que é a própria Palavra de Deus, ela pronuncia o veredicto de Deus: Tu és um pecador, és réu diante de Deus, e, em Cristo há perdão para ti. A pessoa aprende o que é arrependimento (contrição) e o que é perdão dos pecados pela fé em Cristo. As idéias sobre pecado e salvação que o “avô” e o “pai” da teologia do “Ego” do século XIX, F. D. E. Schleiermacher, Hofmann[20] e seus seguidores, desenvolveram, na fantasia de seus próprios  corações, conceitos sobre pecado e o ensinaram. São teorias falsos, pois através dessas teorias nenhuma pessoa será levada à experiência da contrição e da fé no Cristo crucificado. Pois, é admitido por quase todos, que Schleiermacher, do seu ponto de vista da “Reforma-panteista”, não conhece o verdadeiro conceito de pecado. E quando Hofmann que, em oposição à Escritura, nega conscientemente o pecado original, mostra que também é um péssimo pregador de arrependimento. Além disso, Schleiermacher e Hofmann negam ambos a satisfação vicária de Cristo. Este tipo de ensino e pregação, certamente, não pode produzir a experiência da fé no Salvador crucificado por nós. Hoje, muitos psicólogos, quer o admitam ou não, seguem em seus aconselhamentos, estes falsos conceitos[21].   
     Para gerar contrição, é necessário algo mais do que simples opiniões sobre pecado[22], mesmo que isso seja cientificamente transmitido. Somente a santa lei de Deus pode fazê-lo. A lei de Deus, como a igreja a tem na Escritura Sagrada até ao fim do mundo. Esta deve ser pregada sem acréscimos, nem subtrações, sem lhe tirar o fio (Mt 5.17-19; Gl 3.10,12). Lemos nos Artigos de Esmalcalde: “Este é, pois, o raio de Deus, com que ele destrói tanto os pecadores manifestos como os falsos santos e não reconhece razão a ninguém, levando todos ao terror e desalento. Este é o martelo, como diz o profeta Jeremias: Minha palavra é martelo que esmiúça as penhas (Jr 23.29). Isto não é activa contritio, pesar factício (artificial), porém, passiva contritio (cujo sujeito é Deus), a verdadeira dor de coração, o sofrer e sentir a morte. E isso, então, significa principiar o verdadeiro arrependimento. E aqui o homem precisa ouvir este juízo: “Todos vos nenhuma importância tendes, quer sejais pecadores manifestos, quer sejais santos (a saber, na vossa opinião); todos deveis tornar-vos diferentes e agir de outra maneira do que agora sois e agis. Quem quer que sejais e pouco importa quão grandes, sábios, poderosos e santos sois, aqui ninguém é justo, etc.[23]” E em relação à fé, que precisa ser juntado à contrição e aos terrores de consciência, precisamos manter que igualmente não pela visão humana – nem por meios científicos para aprender a respeito do perdão dos pecados somente pela Palavra de Deus, que graças a Deus, a igreja possuiu na Escritura Sagrada. Isto é o Evangelho de Deus, para o qual o apóstolo Paulo foi separado (Rm 1.1) e recebeu a ordem de proclamá-lo (Rm 15.16), não permitindo que fosse modificado nem por homens nem por anjos (Gl 3.10,12). Quando este Evangelho é proclamado e ensinado, então está ali, como Lutero o diz, “a consoladora promessa da graça, na qual cumpre se creia”[24].  Pela palavra do Evangelho a fé é gerada. Mas é preciso destacar que não é a pessoa que se apossa do Espírito Santo, mas a vontade é tomada pelo Espírito Santo. Ele opera e gera a fé. Esta fé tem, na palavra do Evangelho, seu objeto. A pessoa se apega ao Evangelho e nele se apreende ao que lhe é oferecido, o perdão dos pecados conquistado por Cristo. Esta é a fé que Paulo prega e que o Espírito Santo vivifica e conserva no coração dos fiéis que aceitam o evangelho”[25],[26].

1.4 - A fé cristã
     O que é esta fé cristã? Lemos na carta aos hebreus: Fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos eu se não vêem (Hb 11.1). É o nascer da água e do Espírito (Jo 3.5), a nova vida que o Espírito Santo opera ao gerar a fé em Cristo. É reconhecer o amor de Deus em Cristo, e a Cristo como o verdadeiro Filho de Deus, nosso único e suficiente Salvador, e confiar nele de coração, contra todos os argumentos de nossa razão e de todo nosso sentir contrário.
     Vemos isto na virgem Maria. Ela era uma jovem pobre, noiva de um rapaz carpinteiro, também pobre. O anjo apareceu a ela e lhe anunciou que ela fora escolhida por Deus para ser a mãe do Filho de Deus, o Salvador da humanidade (Lc 1.28-38). Que o Espírito Santo viria sobre ela e ela ficaria grávida. Vejam o problema que Deus arranjou para essa jovem? Quem iria acreditar nisso? O anjo ainda lhe falou a respeito de Isabel, com a qual ela poderia falar a respeito. Maria foi visitá-la (Lc 1.39-40). Após três meses, ela retornou. Falou, agora, a seu noivo sobre sua gravidez, já visível.  Que notícia! O que tudo deve ter passado pela cabeça de José? Ele resolve abandoná-la. Pois seu dever era denunciá-la, para que fosse apedrejada por causa de uma relação sexual ilícita (Lv 20.10). Ele, porém, a amava muito e resolveu abandoná-la, deixando-a a sua própria sorte. À noite, porém, o anjo do Senhor, em sonho o informa a respeito e lhe ordena, da parte de Deus, tomar Maria como sua esposa e cuidar de ambos, pois o menino gerado pelo Espírito Santo é o Messias, o Salvador prometido (Mt 1.18-25). Quanta zombaria os dois devem ter sofrido. Depois, a ordem do recenseamento (Lc 2.1-7). A estrebaria em Belém. A fuga para o Egito (Mt 2.13-15), etc. Como Deus age ao contrário do que nós esperamos ou imaginamos. Para nossa razão, tudo isso é loucura. Incrédulos em nossa volta confirmam isso constantemente por suas zombarias.
     Este Deus, diz em sua santidade e majestade: Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las (Gálatas 3.10). Ele realmente amaldiçoa o pecador, não somente o pecado, mas o que pratica o pecado, que é culpado de pecado[27]; e ao mesmo tempo, em Cristo, Deus ama o pecador e não quer a sua perdição, mas que o pecador chegue ao conhecimento da verdade, se arrependa, creia na graça de Cristo e seja salvo (1 Tm 2.4; Jo 3.16; Ez 33.11).

1.5 - Crucificado com Cristo (Gl 2.19)
     Aqui precisamos abrir um parêntesis para clarificar o que significa: Estar crucificado com Cristo. Isto é fundamental para a compreensão da teologia da cruz.
     O que significam as palavras: Estou crucificado com Cristo? A Bíblia fala da cruz de Cristo de diversos ângulos. Vejamos: Portanto, para isso mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em nosso lugar, deixando-nos exemplo para seguirmos os seus passos, o qual não cometeu pecado, nem dolo (fraude, engano) algum se achou em sua boca... (1 Pe 2.21). Cristo sofreu e nos deixou um exemplo a seguir. Ou: Os que são de Cristo crucificaram a carne (Gl 5.24), referente à luta contra o pecado “em nós”, do que fala a 4ª Parte do Batismo, no Catecismo Menor. Na citação de Paulo em Gálatas, no entanto, a expressão: Estou crucificado com Cristo tem um sentido bem diferente e mostra o que Cristo fez “por nós”.
     Lutero afirma: “Estas são palavras admiráveis e frases inauditas que a razão humana  simplesmente não pode entender “ (Obras Selecionadas de Lutero, Vol. 10, p. 161-182). Vamos resumir aqui o que Lutero afirma nestas páginas.
     Quem está crucificado com Cristo? – Todo o que crê em Cristo e foi batizado (Rm 6.3; Gl 3.27). A este pertence tudo o que Cristo, como seu substituto, realizou e conquistou. Portanto, todo o que crê e foi batizado, morreu com Cristo. Lutero chama nossa atenção e diz: Isto precisa ser bem compreendido pelos cristãos. O apóstolo Paulo fala de algo muito sublime. O pecado não foi crucificado em nós, mas em Cristo. Em Cristo meu pecado, morte e Satanás foram crucificados. Cristo fez e realizou tudo sozinho. Quando creio isto, sou crucificado com Cristo. Como? Cristo morreu por mim na cruz e me conquistou completo perdão, vida e eterna salvação (justificação objetiva). Pelos meios da graça, Palavra e sacramentos, a vitória de Cristo me é anunciada e aplicada. Pela fé na Palavra de Deus, esta vitória se torna minha (justificação subjetiva), e permanece minha enquanto na fé. Sei então que meus pecados foram colados sobre Cristo que por seu sofrer e morrer pagou minha culpa. Pela fé, fui vivificado com Cristo. Pela fé em Cristo sou libertado da lei, do pecado, da morte e de toda a enfermidade e sou verdadeiramente vivificado. Pela Palavra de Deus, o Evangelho, e pelo batismo algo bem novo foi criado em mim, a fé, o novo homem (At 2.38).
     Eu, pela lei, morri para a lei, para viver para Deus. Eu estou crucificado com Cristo. Cristo é Senhor sobre a lei, visto que morreu e ressuscitou, a lei não pode exigir mais nada dele, nem de mim. Tornei-me senhor sobre a lei, como alguém que foi pela lei crucificado e morreu, pois fui com Cristo crucificado e ressuscitado. Pela fé recebi e recebo esta graça. A lei perdeu todo direito sobre mim. Ela não tem mais direito de fazer exigências a mim, nem me ameaçar. O cristão está livre das exigências, das obrigações, das ameaças das maldições da lei. Como cristão, que se apega à graça de Cristo, está justificado (declarado perdoado, justo, levado, santo) e é um querido filho de Deus. Ele tem um novo espírito. Como libertado, o cristão dedica sua vida inteiramente ao querido Pai celestial ao qual serve voluntariamente (Rm 7.6).
     Ainda sou pecador. Confesso que sou. Tenho esta fé na minha carne pecaminosa e vivo num mundo em trevas que me assedia e tenta para o pecado. O pecado, no entanto, não está mais deitado sobre mim, mas sobre Cristo, que se tornou pecado por mim. Morreu por mim e me dá perdão e vida. Ressuscitei com Cristo. Mesmo sentindo medo da morte, posso dizer a ela: Não tenho nada a ver contigo. Assim me consolo também diante das investidas de Satanás. Fica quieto. Cristo está comigo. Satanás, não pode nada. Esta fé vence o mundo (1 Co 5.4,5). Não amo o pecado. Luto contra ele. Se por fraqueza caio, recorro imediatamente a Cristo, para perdão. Ele me levanta, perdoa e fortalece. 
    Cristo vive numa vida divina (Rm 6.9,10). Quem “está crucificado com Cristo”, também vive numa vida nova e está morto para o pecado, ao qual não serve mais. Ele está numa vida nova, dedicada a Deus (Rm 6.5-8,11). Sua velha personalidade foi derrubada do trono, do comando (Rm 6.6), e Cristo governa em sua vida pelo Espírito Santo (Rm 8.9,10; Ef 3.16,17). O espírito de Cristo está nele (Fp 1.8), a força de Cristo está nele e é poderosa nas fraquezas (2 Co 12.9).
     O que ele agora vive neste corpo, ele o vive na fé em Cristo. A fé em Cristo determina e domina sua vida. O próprio Cristo fez e realizou tudo sozinho. Quando eu creio isto, sou crucificado com Cristo, a saber, o que Cristo fez por mim, seu sofrer e morrer vicário passa a ser meu. Pela graça de Cristo sou libertado da lei, do pecado, da morte e sou verdadeiramente vivificado. Renasci. Recebi vida nova[28].
     Aqui precisamos manter claramente diante de nós a justificação objetiva e subjetiva. Objetiva, Jesus morreu por todos (Jo 3.16) e deseja que todos cheguem ao pleno conhecimento da verdade e vivam (1 Tm 2.4). Ninguém pode dizer: Por mim Jesus não morreu. Meu pecado é grande demais para que possa ser perdoado. Ou, a mim Deus não quer salvar. Precisamos manter: Deus salvou a todos e quer a salvação de todos.  Subjetiva. A justificação subjetiva é quando alguém é levado à fé na graça de Cristo. Então os méritos de Cristo passam a ser dele. Ele os tem.
     Dentro da ação vicária de Cristo precisamos acentuar: Jesus me amou e a si mesmo se entregou por mim (v.20). Aqui queremos lembrar duas perguntas: Quem matou Jesus? O papa Bento XVI recentemente absolveu os judeus da culpa pela morte de Jesus. O apóstolo Pedro diz às multidões no dia de Pentecostes: Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel (judeus e prosélitos) de que a este Jesus que vós crucificastes (At 2.36). E: Israelitas... matastes o Autor da vida (At 3.12,15).O “vós” aqui se refere a todos os pecadores (judeus e gentios) (At 7.51). Por isso confessamos com Paul Gerhardt: Eu, eu e me pecado havemos motivado a tua grande dor (HL 94.4) Foram nossos pecados que levaram Jesus à cruz.
     Por outro precisamos acentuar: Ele a si mesmo se entregou. Ninguém poderia tirar-lhe a vida. Ele se entregou voluntariamente (Jo 10.17), por amor à humanidade.
     Outro detalhe, na justificação subjetiva eu precisamos ter clareza sobre o que é a fé cristã. O Filho de Deus me amou e a si mesmo se entregou por mim. Não fui eu que me entreguei ao Filho, como hoje muitos querem se orgulhar disse, dizendo: “Eu me entreguei a Cristo. Dão valor à data na qual se entregaram a Cristo. Confiam, portanto, em sua obra mais do que em Cristo. Ensinam que a pessoa, por seus dons naturais pode produzir méritos e amar a Deus sobre todas as coisas[29]. Importa fazer o que está em seu poder, então Deus lhe concederá graça. Estas pessoas estão sob a lei, visto confiarem em suas obras. A fé cristã, no entanto, é um dom de Deus. Ninguém pode dar-se fé a si mesmo. Somos espiritualmente cegos, mortos e inimigos de Deus (1 Co 2.14; Ef 2.1; Rm 8.7; 1 Co 12.3). Nem posso ajudar ao Espírito Santo, como por exemplo, me preparar ou dispondo ao Espírito Santo, etc. Tudo é graça. Confessamos corretamente na explicação de Lutero ao terceiro artigo do Credo Apostólico: Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. Assim também chama, congrega, ilumina e santifica toda a cristandade na terra, e em Jesus Cristo a conserva na verdadeira e única fé. Portanto, também a santificação é obra exclusiva do Espírito Santo em nós.
     Esta é a fé cristã, confiar unicamente na graça de Cristo. Por esta fé não anulamos a lei de Deus, mas a levantamos (Rm 3.31). Nós a usamos como uma tranca, um freio, ao nosso velho homem e suas manhas, como norma pela qual impomos ao velho Adão nossa direção e conduta, porque o novo homem não precisa da lei. No entanto, jamais a usaremos para nos justificar diante de Deus.
     “A fé deve ser ensinada corretamente, a saber, que, por ela tu estás tão estreitamente unido com Cristo, de maneira que a fé faz de ti e de Jesus, por assim dizer, uma só pessoa que não pode ser separada, mas adere para sempre a ele e diga: “Sou como Cristo” e Cristo, por sua vez, diz: “Sou como esse pecador que se mantém ligado a mim e eu a ele”. Pois pela fé, estamos estreitamente ligados em uma só carne e ossos. Porque somos membros do seu corpo, de sua carne e de seus ossos, edifício de Deus, noiva de Cristo (Ef 5.30; 1 Co 3.9; 1 Co 12.12-14; Ap 22.17). Desse modo, a fé liga Cristo a mim mais estreitamente do que o marido à sua esposa. Esta fé, por conseguinte, não é uma qualidade ociosa. Sua grandeza é tamanha que obscurece e remove totalmente aqueles sonhos estultos da doutrina dos sofistas a respeito da ficção de que a fé é formada pelo amor e os méritos, de dignidade ou de qualidade nossa, etc. (p.172).
     Muitos se escandalizam com esta verdade e dizem: “Então, pratiquemos males para que venham bênçãos”[30]. Quando ouvem que não somos justificados pela lei, dizem: “Abandonemos a lei. Quando ouvem: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”, concluem: “Façamos, pois, abundar os pecados, para  de que sejamos justificados e a graça seja abundante”.  Esses são os malignos e soberbos que, voluntariamente deturpam as Escrituras e as palavras do Espírito Santo.
     Além disso, temos os fracos que se escandalizam, quando ouvem que as obras não devem ser praticadas com o objetivo de alcançar a justificação. Estes devem ser socorridos.  “A estes devemos expor o motivo porque as obras não justificam, e como devem e como não devem ser praticadas. Devem ser praticadas como frutos da justiça e não para produzirem a justiça... A árvore produz os frutos, não os frutos, a árvore” (p. 173). “Somos salvos unicamente pela fé na graça de Cristo, sem as obras da lei, mas a fé necessariamente produz boas obras”.
     Esse viver que, agora, tenho na carne, vive pela fé no Filho de Deus (v. 20). Paulo fala da nova vida. “Vivo, com efeito, na carne, mas essa vida que em mim se processa, por pequena que seja, não considero vida. Pois não é uma vida verdadeira, mas apenas uma máscara da vida sob a qual vive um outro, a saber, Cristo, que é minha verdadeira vida, que não vês, mas apenas, ouves, como ouves a voz do vento, mas não sabes de onde vem nem para onde vai (Jo 3.8). Assim vês a minha vida. Pois esse tempo da vida que vivo, eu na verdade, vivo na carne, mas não a vivo à base da carne nem segundo a carne, mas na fé, à base da fé e segundo a fé”. O apóstolo Paulo não nega que vive na carne, pois pratica todas as obras de um homem natural. Além disso, ele também usa todos os bens corporais, como alimentação, vestimenta, etc., isto certamente quer dizer viver na carne... (p.174). Vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou, e a si mesmo se entregou por mim, é, verdadeiramente, bem-aventurado. “Não fui eu que amei o Filho de Deus e me entreguei por ele, como os sofistas fantasiam, dizendo: que eles amam o Filho de Deus e se entregam a ele. Pois ensinam que o homem, por seus simples dotes naturais, pode produzir o mérito côngruo e amar a Deus e a Cristo sobre todas as coisas” (p. 176). – “Discordo, pois distingo entre as forças naturais e espirituais e sustento que as forças espirituais não permaneceram intactas, mas se corromperam, sim, foram completamente extintas tanto no homem como no diabo... As forças naturais, na verdade, permaneceram intactas, mas quais forças naturais? São as que o homem ainda possui, mesmo imerso na impiedade e sendo escravo do diabo: a razão, o livro arbítrio, a capacidade de edificar uma casa, de exercer uma magistratura, de pilotar um navio e de executar outras tarefas que foram sujeitas ao homem (Gn 1.28). Essas atribuições não foram tiradas do homem”... ( p. 177). Mas, nas coisas espirituais, diz o apóstolo Paulo não fomos nós, mas Cristo tomou a iniciativa. “Ele me amou, e a si mesmo se entregou por mim. Ele não encontrou em mim via minha boa vontade ou entendimento correto, mas teve misericórdia de mim. Ele viu que eu era ímpio, errante, afastado de Deus, e que sempre me estava desviando dele para mais longe, lutando contra Deus e sendo cativo, governado e dirigido pelo diabo. (p. 178). “Por mim”, refere-se a mim, pecador perdido e condenado que foi amado de tal maneira pelo Filho de Deus, que se entregou a si mesmo por mim” (p. 179).  Ele me remiu. Ele me chamou e iluminou, me levou e conservou na fé. Ele é agora o meu querido Senhor, a quem pertenço e sirvo com alegria, mesmo que ainda em muita fraqueza. Fraquezas que sua misericórdia cobre diariamente. Sou totalmente (e simultaneamente) santo e pecador. Vejamos, ainda, como isso se reflete no “sentir”.

1.6 – O sentir
    Quando falamos em “experiências com Deus”, ou em “sentir a presença da graça de Deus”, precisamos examinar e conhecer a doutrina do sinergismo dos católicos e dos reformados, e quais as diferenças entre a doutrina do sinergismo e a doutrina bíblica.
     A doutrina católica afirma que nós somos salvos pela graça de Cristo, mais as obras. Isto é sinergismo, uma doutrina racional, uma constante tentação a todos os cristãos. A doutrina dos reformados é a mesma doutrina católica, só com outra roupagem. Somos salvos pela graça, mas eu preciso me decidir por Cristo[31] e lutar em oração até sentir a presença do Espírito Santo e não pecar mais.
     O que levou os Reformados, na época da Reforma, a esta doutrina? Na época, muitos se diziam cristãos batizados e membros da igreja católica, a única que salva. Mesmo dizendo se cristãos, continuavam em sua vida cheia de pecados. Isto levou os Reformados a negarem o poder do batismo e da fé que se firma no sacrifício vicário de Cristo, no “Cristo por nós”, passando a acentuar o “Cristo em nós”[32], com todas suas conseqüências na importância do sentir e da vida santificada. Buscando erradamente um cristianismo mais decidido. Roubaram aos cristãos o verdadeiro fundamento da fé, que confere certeza da salvação.
           Em conseqüência disso, muitas pessoas passam, até hoje, suas vidas em estado de desespero, pois desconhecem o verdadeiro consolo do evangelho. Por não “sentirem” o que gostariam de sentir elas morrem em seu desespero, e se perdem. Se estas pessoas conhecessem a doutrina bíblica a respeito da fé no perdão de Cristo, do Cristo por nós, da absolvição, chegariam a Deus e diriam: “Pai celestial, eu fui absolvido de acordo com o teu mandamento por tal e tal pessoa. Eu sei que tu és verdadeiro e nunca enganas” (p.159). O verdadeiro consolo os levaria à verdadeira vida santificada. Pois somos salvos pela fé na graça de Cristo, sem as obras da lei, mas a fé necessariamente produz boas obras (CA IV e VI).

1.7 - Lei e Evangelho
     Em seu livro Lei e Evangelho, na 9ª tese[33], Dr. Walther descreve minuciosamente como ele caiu nas teias da doutrina reformada e como conseguiu sair dela. No fundo, olhar para os sentimentos não é outro coisa do que confiar em obras. Vamos resumir e citar trechos deste livro. Entre outras perguntas, esta tese tem como pano de fundo a pergunta: Como educar uma congregação cristã? Ainda hoje esse tema: Como educar uma congregação para um cristianismo mais vivo e dinâmico, é uma pergunta que cada pastor se faz. Procuram-se métodos e formas. Muitos, em nossas comunidades, se consideram cristãos fiéis, mas estão espiritualmente mortos. Eles nunca sentiram terror de consciência por causa de seus pecados, nem pavor diante do inferno que merecem. Nunca estiveram de joelhos diante de Deus, nem lamentaram sua triste e abominável condição de pecadores. Muito menos choraram lágrimas de alegria, jubilando e glorificando a Deus por sua misericórdia. Mesmo assim, são pessoas que assistem os cultos, ouvem sermões, participam da Santa Ceia e participam das atividades da congregação. No seu interior, porém, elas continuam frias como gelo. Mesmo que por vezes uma ou outra palavra de Deus mexa com elas, essas pessoas logo acalmam suas consciências, dizendo: Sou membro da Igreja Luterana, que é correta, e estou cumprindo meus deveres. Está tudo bem. Vivem até em pecados grosseiros e se acalmam, dizendo: Todos têm suas fraquezas. Deus é gracioso.
    Tais pessoas enganam-se a si mesmas. Sua fé é intelectual e morta. Eles dizem: Eu creio, mas seu coração não sabe nada disso. É preciso pregar a lei em todo o seu rigor para que reconheçam seus pecados, de que são miseráveis pecadores; por outro pregar-lhes o evangelho em toda sua doçura, para incondicional conforto dos pecadores atemorizados e desesperados. O doce evangelho os edificará. 

1.8 - Sentimento e experiência da fé
     O apóstolo Paulo afirma: O Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.16). O que significa isso? Será que o Espírito Santo dá este testemunho em nós sem que nós o percebamos ou sintamos? Conforme a Escritura, qualquer pessoa que nunca sentiu o testemunho do Espírito, de ser um filho de Deus pela fé na graça de Cristo, está espiritualmente morta.
     O apóstolo afirma: Justificados, pois, mediante a fé, tenhamos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 5.1). A justificação objetiva foi estabelecida pelo derramamento do sangue de Cristo e existe antes de nossa justificação. Ela nos é anunciada por meios, a saber, pela Palavra e aplicada pelos sacramentos, batismo e Santa Ceia. Quando cremos na graça de Cristo, esta justiça passa a ser nossa. Chamamos isto de justificação subjetiva. Passamos a viver esta paz através de uma experiência própria. O apóstolo se refere a isto ao dizer: Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17). Esta alegria não é carnal, mas espiritual. Os exemplos da Bíblia provam esse ponto. Nós nos vemos – se assim o podemos expressar - ardendo em louvor a Deus, por causa daquilo que Jesus fez por nós. Vejam: Bendize, ó minha alma ao Senhor e não te esqueças de nenhum só de seus benefícios. Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades; e sara todas as tuas enfermidades (Sl 103.2,3). Ao escrever este Salmo, o escritor, sem dúvida, tinha sentimentos bem vivos a respeito. Qualquer cristão (verdadeiro) sabe falar de tais momentos. Agora, se não sentimos impulsos missionários, qual a razão disso? Sem dúvida nossa fraqueza ou até ausência de fé.
     Sim, nos conhecemos Também momentos de tristeza, em profundo arrependimento devido ao reconhecimento de nossos pecados; e momentos de grande alegria pelo perdão que Cristo nos oferece, dá e sela por Palavra e sacramentos. Estas são experiências vivas.
     Aqui cabe, no entanto, uma observação muito importante: Ninguém deve buscar ou basear sua salvação e seu estado de graça em seus sentimentos. Isto não significa que alguém possa ser um bom cristão sem experimentar qualquer sentimento em relação a este assunto[34].
     Por outro, precisamos lembrar que cristãos podem ter e têm momentos nos quais sentem até o contrário. Quando a lei os acusa, e eles sentem a ira e a maldição de Deus sobre si, pavor e desespero. Nesses conflitos, tremem apavorados como Jó (Jó 40.4,5; 42.5,6), mas, os cristãos sabem em que e como se apegar à Palavra de Deus[35]. Ele diz à sua consciência: “Fica quieto. Eu sei que pequei. Lamento muito minhas fraquezas. Apego-me à graça de Cristo”. Pelo evangelho o Espírito os consola e reergue. Nesses momentos, não devemos olhar para dentro de nós, o que somos e o que fizemos, mas para fora de nós ao que Cristo fez e ainda faz por nós. O apóstolo João escreve: Amados, se o coração nos acusa, temos confiança, diante de Deus, e aquilo que pedimos dele recebemos (1 Jo 3.20). 
     Ao ouvirmos: “Cristo redimiu o mundo inteiro, respondemos em fé: Logo, ele me remiu a mim também. Se ele me remiu, ele quer a minha salvação. As seitas dizem: Não, não! Espere! Isso não é tão fácil assim. A graça não é tão barata. Não se engane a si mesmo. Você precisa primeiro lutar em oração com Deus, até que Deus te faça sentir o seu amor”. – Isto é falso. Nossa fé não se firma em sentimentos, mas unicamente na Palavra de Deus que nos anuncia e promete a graça de Cristo. A esta Palavra nós nos apegamos, quer o sintamos ou não. Quanto ao testemunho do Espírito Santo, ele nos lembra e aplica esta Palavra de Deus. Nas lutas, o Espírito Santo nos diz: Cristo morreu por ti, apesar de teus pecados. Tenha bom ânimo.
     Quando as seitas nos dizem: “A certeza do perdão dos pecados requer orações, lutas e batalhas até que um sentimento de júbilo tome conta de nossos corações, indicando que agora a graça de Deus habita misteriosamente em nós”. Diante disso precisamos afirmar com toda a clareza: A graça de Cristo nunca está no coração das pessoas, mas no coração de Deus. Primeiro a pessoa precisa crer, então pode vir o sentir. O sentimento provém da fé, nunca o inverso. A fé requer um fundamento firme, a saber, a promessa divina da qual toma posse. Só então a fé pode dizer: “Nada a não ser o precioso Evangelho tem valor para mim, nele eu me afundamento” (p. 178-180).
     Vamos relembrar a história dos leprosos. O que lhes deu a certeza de que Jesus havia atendido suas súplicas? Não viram nada, não sentiram nada. Só tinham a ordem: Ide mostrai-vos aos sacerdotes (Lc 17.14). Eles se apegaram à ordem e promessa de Jesus e nada mais. Indo, firmados na ordem e promessa, de repente sentiram que estavam curados. A fé não tem outro fundamento em que se firmar, a não ser o Evangelho.     
    “As seitas, infelizmente, não procuram Cristo ali onde ele quer ser encontrado, em sua Palavra e seus sacramentos; eles procuram Cristo em suas obras e/ou dentro de si e são enganados”. Todos os erros das seitas têm este “triste erro em comum, eles não confiam somente em Cristo e sua Palavra, mas confiam sobre tudo em algo que está neles. Em regra, eles imaginam que tudo está bem com eles, porque mudaram sua maneira de viver. Como se isso fosse uma garantia para alcançar o céu! Eles dão valor à sua data da conversão, seu entregar-se a Cristo. Ora, isto é confiar em obras. Não, nós não devemos olhar para nossa conversão para encontrar segurança, mas devemos procurar nosso Salvador sempre de novo, cada dia, como se nunca tivéssemos sido convertidos antes. Minha conversão anterior não será de nenhum valor para mim se eu me torno seguro e continua vivendo em pecados. Eu preciso retornar ao “assento da misericórdia” cada dia, se não farei de minha conversão anterior o meu salvador, confiando na conversão. Isto seria terrível, pois, em última análise, isso significa que faço de mim mesmo o meu salvador” (p.185). Retorno, no entanto, sempre ao meu batismo, não como um ato meu, mas o ato divino que pelo batismo me chamou e gerou a fé em mim, que me é uma garantia da salvação. Pois nele Deus estendeu sua mão a mim e me tomou pela mão. E mesmo que eu tenha tantas e tantas vezes quebrado o concerto batismal, Deus não retira sua mão, e por arrependimento e contrição diária, volte sempre de novo à mão de Deus.
     Lutero coloca isso muito claro na quarta parte de sua explicação do Batismo no Catecismo Menor: “Que significa esse batizar com água? Significa que o velho homem em nós, por contrição e arrependimento diários, deve ser afogado e morrer com todos os pecados e maus desejos, e, por sua vez, sair e ressurgir diariamente novo homem, que vive em justiça e pureza diante de Deus eternamente” (Rm 6.4).
    
1.9 - Pregamos a Cristo crucificado (1 Co 1.23)
     Pode parecer supérfluo acentuar isto. Em nossos dias da comunicação visual, no entanto, que requer constantes e sensacionais novidades, que mexam com nossos sentimentos, ouvimos sermões bem adversos à pregação da cruz. Inventam-se teorias de comunicação que estão longe de acentuarem a afirmação do apóstolo Paulo: Decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado (1 Co 2.2). Vamos ater-nos um pouco a razão desta afirmação do apóstolo. Na comunidade de Corinto surgiram divisões: Eu sou de Paulo, eu de Pedro, eu de Apolo (1 Co 1.12). Nós diríamos hoje: O perfil do apóstolo Paulo não agradou mais a algumas pessoas da comunidade. Eles não gostaram mais da pregação do apóstolo Paulo a respeito do Cristo crucificado. Se Paulo quisesse a simpatia do povo, teria que mudar. Paulo, apóstolo de Cristo, não pôde concordar com isso. A ele só interessa, como servo de Cristo, anunciar do que foi encarregado: Cristo, o crucificado, quer isto agrade ou não. Ele não prega a si mesmo, mas quer que ao pregar, todos fixem seus olhos e corações em Cristo. “Um mensageiro de Cristo não fala de si, nem é contador de “histórias”, mas transmite a mensagem que recebeu e deixa que esta faça o seu trabalho” (Abraham Kuyper, 1837-1920). O Dr. C.F.W. Walther afirma em sua Pastorale, na 11ª tese: “Requisitos para a pregação pública – A função mais importante de todas as funções ministeriais de cada pastor é a pregação publica. A isto ele deve-se dedicar com grande diligência. Os requisitos mais importantes da pregação pública são: Primeiro, que ela não contenha nada exceto a palavra de Deus e esta pura e clara (1Pe 4.11; At 26.22; Rm 12.7; Jr 23.28; 2 Tm 2.15). Segundo, que a palavra de Deus seja corretamente aplicada (2 Tm 3.16,17). Terceiro, que o completo conselho de Deus seja proclamado aos ouvintes para sua salvação (At 20.20,26-27). Quarto, que atenda as necessidades especiais de seus ouvintes (Lc 12.42; 1 Co 3.1-2; Hb 5.11 – 6.2). Quinto, que seja atual (Mt 16.3). Sexto, que seja bem organizada (Lc 1.3) e finalmente, que não seja longa demais. O que mais poderia se disser sobre a maneira correta de pregar, pertence à disciplina da homilética”. 

1.10 - Por que Deus se oculta tão profundamente
     Por que Deus age assim? Por que ele se oculta tão profundamente? A resposta a essas perguntas só teremos na eternidade. Aqui, no entanto, nos cabe crer contra nossa razão, contra o nosso ver e sentir, e contra a zombaria do mundo. Adoramos um Deu que não vemos. Clamamos a um Deus que parece não nos ouvir. Falamos do seu poder, mas ele se mostra fraco. Falamos de sua glória que consiste em sua morte na cruz.  
      Como fica então nossa razão, nosso intelecto em tudo isso? Não foi Deus que nos criou como seres racionais? Não foi ele que deu a ordem: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra (Gênesis 1.28). O ser humano, por sua inteligência sujeitou a terra. Sobe até a lua e além, pesquisa micróbios e células, etc. Em coisas espirituais, no entanto, após a queda de Adão e Eva em pecado, todo o ser humano nasce em pecado, isto é, ele é por natureza totalmente corrupto e espiritualmente cego, morto e inimigo de Deus[36] (Sl 51.19; Ef 2.3; Mt 15.19). Esta verdade nossa consciência também nos diz, evidentemente, de forma mais branda. Ela nos diz que há um Deus que criou tudo; nossa consciência também tem um conhecimento elementar da moral. Procuramos Deus nas criaturas e terminamos adorando ídolos. Mas quando Deus se manifesta, nós o rejeitamos, fugimos de sua presença como Adão e nos revelamos seus inimigos. (Gn 3.8-15)
    Por isso, entender as coisas celestiais, a palavra de Deus, só é possível pelo poder do Espírito Santo. Nenhum filósofo, nem psicólogo, nem poderoso deste século pode entendê-la. O mistério do amor de Deus revelado em Cristo, só pode ser aceito por fé. Não uma fé humana, mas a fé operada pelo Espírito Santo (Mt 16.17). Só quem tem o Espírito de Cristo, quem nasceu pela água e pelo Espírito Santo (Jo 3.5), está capacitado de ver as coisas invisíveis, que somente a fé vê, e confiar na palavra de Deus.
     Mesmo o cristão que renasceu, que tem algo novo em si, a saber, a fé em Cristo, ainda tem sua natureza carnal que se opõe à palavra de Deus, a questiona e a considera loucura. Nossa natureza carnal gosta de olhar e seguir o mundo. Por isso o apóstolo Paulo exclama: Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo... Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? (Romanos 7.18,24). Assim o intelecto nas coisas invisíveis é somente possível onde o Espírito Santo gerou a fé na graça de Cristo, isto é, chamou e iluminou a mente. Diz a palavra de Deus: Serão todos ensinados por Deus (Sl 1.6).
     Nossa razão prefere a glória, à cruz; o poder, à fraqueza; a sabedoria, à tolice; as experiências palpáveis, à fé em coisas que não se vêem e nas coisas que se esperam.
    Todas as concepções errôneas a respeito de Deus se frustram diante da cruz. A cruz coloca tudo à prova. A cruz é juiz de toda a glória humana. “A via crucis significa, por isso, desistir de toda a glória humana para afundar-se na incompreensão” (Lutero).

1.11 - Relação entre fé e experiência
     Colocado isso, podemos indagar: Qual, então a relação entre fé e experiência. O escritor da carta aos hebreus afirma: Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem (Hebreus 11.1). O que a fé não vê? Ela não vê, nem percebe a Deus, que é oculto (abscondito). Não vê o amor de Deus, pois Deus o revelou e se revela ao contrário do que imaginamos e esperamos. Seus fiéis estão sujeitos a todas as peripécias neste mundo, como doenças, desastres, acidentes, serem vitimas de banditismo, perseguições, etc. É isto que vemos nos relatos tanto do Antigo como do Novo Testamento[37]. Sim, seus fiéis foram presos, açoitados, mortos a espada, por causa do nome de Cristo. Lutero afirma: “Fé e experiência, muitas vezes se excluem mutuamente. Pois crer e ver encontra-se em nítida oposição”. O objeto da fé é oculto e não acessível à percepção, ao pensamento racional. Pregadores tentam, muitas vezes, tornar o objeto da fé compreensível[38] e não notam que caem no moralismo da lei. Seus sermões não são mais evangélicos, mas simplesmente moralizantes. (Vontade Cativa de Lutero). Vemos isso em Tomé. Ele queria uma experiência: Se não tocar... não creio. Jesus lhe concedeu graciosamente a experiência, mas acrescentou Bem-aventurados os que não viram, e creram (Jo 20.29). O ver não é importante, mas o apegar-se à Escritura. Um pregador não deve querer que as pessoas creiam no evangelho à base de suas palavras ou experiências. Antes ele deve cuidar para que as pessoas, diante das quais prega, fixem seus olhos em Jesus e sua Palavra. Um mensageiro não fala de si, mas transmite a mensagem que recebeu e deixa que esta faça o seu trabalho (Abrahaam Kuyper (1837-1920). Um pastor disse: Em meus 40 anos de ministério nunca preguei sobre o evangelho, mas somente o evangelho. 
     Nós gostaríamos experimentar a realidade da presença de Deus em nossa vida. Muitas vezes, no entanto, temos que carregar o sofrimento que desperta em nós perguntas para as quais não encontramos resposta. Seus caminhos para conosco permanecem uma incógnita. E por Deus agir de forma bem diferente do que esperamos, não sentimos sua presença. Pelo contrário, sentimo-nos sós e abandonados. Nestes momentos pensamos que ele nos rejeitou e deixou a deriva. Imaginamos muitas vezes como Deus deveria agir no mundo e em nossa vida. Mas isso são devaneios. Deus se esconde e se revela ao mesmo tempo. Ele se revelou em Cristo, seu Filho unigênito, que se tornou nosso irmão na carne e nosso substituto para nos reconciliar com Deus. Ele exclamou na Cruz; Deus meu, Deus por que me desamparaste (Mt 27.46), desde lá, nenhum filho de Deus é jamais desamparado por Deus. Agora, como seus filhos pela fé na graça de Cristo, somos convidados a carregar nossa cruz e amparar os irmãos, enxugando suas lágrimas. Colocar tudo que nos preocupa e pesa em suas mãos pela oração. Em palavra e sacramentos experimentamos sua presença.   
     Deus dirige seus fiéis na vida e diz: De todos sereis odiados por causa do meu nome. Contudo, não se perderá um só fio de cabelo da vossa cabeça (Lucas 21.17,18). Tantas e tantas vezes nem percebemos a presença de Deus em nossa vida, julgando que Deus nos abandonou. E quando julgamos tê-lo percebido, notamos logo depois, que nos enganamos. A nós cabe, como a Abraão (Gn 12), largar todos os sustentáculos materiais e confiar unicamente na palavra de Deus, quer eu o sinta ou não. Sim, muitas vezes não temos nem consciência de nossa fé e julgamos: Nem sei se ainda creio. Acho que perdi a fé. Quem me dera pudesse crer! Lutero afirma com razão: “Deve-se encarar como tentação de Satanás, quando a pessoa se julga segura naquilo que ela sente dentro de si. Pois a fé não procura por tais sentimentos. Ela chega a ser “insensível a isso”. A palavra toma o lugar das “coisas invisíveis”, não o sentir, pois importa crer e confiar cegamente na palavra de Deus.
     Infelizmente muitas igrejas evangélicas dirigem seus membros, em vez de aos meios da graça (Palavra e sacramentos), a olharem para dentro do seu próprio coração para ver se sentem a ação do Espírito Santo, se tiveram ou têm alguma experiência e sinais da ação do Espírito Santo, para terem assim certeza da graça de Cristo. E se não sentiram nada, recomendam jejuar e clamar a Deus, pedindo sua graça e a experiência no Espírito Santo. Que triste.     
     Aqui não podemos deixar de citar a preciosa página da Dogmática de F. Pieper, sob o título: Os Meios da Graça, e o sub-título: A negação dos meios da graça na prática pessoal dos cristãos[39], onde ele diz o seguinte:
     “Para permanecer na rejeição de todas as opiniões errôneas com respeito aos meios da graça, e permanecer na verdadeira humildade, é preciso lembrar que também os cristãos que ensinam corretamente a respeito, crêem e estão convictos dessa verdade, na prática, no entanto, esquecem muitas vezes os meios da graça. Isto acontece quando eles firmam (baseiam) a certeza da graça ou do perdão dos seus pecados não sobre as promessas de Deus, como meios da graça, mas sobre seus próprios sentimentos (a graça infusa). Em vez de basearem a certeza na declaração do amor que Deus nos faz no Evangelho, isto é, nos meios da graça ordenados por ele, para que o ouçamos e creiamos; ou para expressá-lo ainda de outra forma: Em vez de olhar para o coração reconciliado de Deus que está presente em Cristo, que Deus revelou e traz a nós no Evangelho e nos Sacramentos, preferimos olhar para dentro de nosso próprio coração, querendo avaliar a disposição de Deus para conosco à base desses sentimentos de nosso coração. Isto, na verdade, equivale a uma negação prática do fato de que Deus nos reconciliou consigo mesmo através de Jesus Cristo, a saber, uma negação dos meios da graça, pelos quais Deus nos certifica de estar reconciliado conosco.
     “Aqui estamos diante de um ponto importante em nossa vida espiritual, na qual temos a aprender ao longo de nossa vida. O cristianismo é uma religião absolutamente única. Ela transcende completamente os horizontes humanos e a nossa concepção inata da religião, com a qual nascemos, a saber, a religião da lei (opinio legis). Por exemplo, se notamos virtudes em nós, julgamos que Deus nos é gracioso; quando vemos pecado em nós e nossa consciência nos acusa, julgamos que Deus está-nos rejeitando. A religião cristã, no entanto, nos ensina que Deus nos é misericordioso por amor a Jesus Cristo, “sem as obras da lei”, a saber, sem levar em conta se temos cumprido ou não a lei. A justiça que vale diante de Deus “está fora de nós” (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida, III, 589). É a justiça que Cristo nos adquiriu; em outras palavras, que Deus nos promete, por amor a Cristo, nos meios da graça. Portanto, nossa vida cristã é vivida somente de forma correta se, conforme o caráter exclusivo da religião cristã, ou para expressá-lo conforme as palavras de Lutero, “quando saímos de nós mesmos” e firmamos nossa fé exclusivamente na graça de Deus, nos meios da graça, que se encontram fora de nós, na Palavra de Deus e seu selo, que são Batismo e a Santa Ceia”.
     “No entanto, a graça infusa usada no seu sentido correto, na santificação da vida cristã ou da justiça na vida cristã, também pretende ser um sinal e testemunho da graça divina” (signum et testimonium) (Apologia III,154ss). Mesmo assim, a graça infusa está sempre carregada de uma carência. Ela não passa pelo teste quer diante da própria consciência, quer diante da revelação da Lei de Deus. Por isso, precisamos ficar com a prática que Lutero descreve assim: “Não há melhor conselho do que ignorar teus próprios sentimentos e todo consolo humano e apegar-te somente à Palavra de Deus” (St. Louis, XI, 455).
    Neste respeito cumpre lembrar, primeiro: Nós pedimos perdão de Deus e o dom do Espírito Santo, mas isto pelos meios da graça (evangelho e sacramentos), visto que a oração, em si, não é um meio da graça. A palavra de Deus, esta sim, opera e gera a fé e dá o que ela oferece e sela, perdão, vida e eterna salvação. Nós não olhamos para dentro de nós, o Cristo “em nós”, mas para a palavra de Deus que nos anuncia o Cristo “por nós”. Este é o fundamento de nossa fé, não nossos sentimentos.

1.12 - O conteúdo positivo na experiência
     Mesmo assim, há também um conteúdo positivo para o conceito: fé e experiência. Mesmo encontrando-se a fé em constante conflito com a percepção, pois seu objeto não é perceptível, ela tem um caráter escatológico, e assim não exclui toda e qualquer experiência. Pois de certa forma, pode-se sentir e experimentar “a graça de Deus”. Ela é oculta, mas suas obras, não. A fé que se concretiza na experiência é o amor.
     Ninguém compreende a Deus nem sua palavra, a Bíblia, a não ser pelo Espírito Santo e ninguém pode tê-la, sem experimentá-la. O Espírito Santo no-la ensina em sua própria escola, por palavra e sacramentos.
     Sendo a fé confiança e esperança, um renascer e vida nova, mesmo assim, a “sabedoria da cruz” continua uma sabedoria oculta, um mistério.
    Eu, como pessoa, distante de Cristo, pertenço à morte e ao inferno. Mas agora, pela fé, pertenço a Cristo. Fui enxertado nele, sou membro do seu corpo, templo do Espírito Santo. Por isso, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim (Gl 2.20). Mesmo assim, não compreendo como Cristo vive em mim. Nesta união, o meu eu não é anulado. “O meu corpo não entra numa união mística com Cristo. Não é o justificado que vive, mas Cristo vive nele. Como? Pela fé temos tudo em comum com Cristo. A Bíblia fala em: ser vestido com o manto da justiça (de Cristo) (Is 61.10), ser membro do corpo de Cristo (1 Co 6.15), como duas pessoas unidas no santo matrimônio (Ap 21.9). “A união não vai além da relação entre fé e Cristo” (Lutero em seu Comentário aos Gálatas).
     Para clarificá-lo melhor, vamos repetir alguns detalhes. No primeiro caso, trata-se da experiência natural, a percepção (creio que por minha própria razão e força não posso crer) que se encontram “na mais aguda contraposição com a fé”. No segundo caso, temos uma experiência, não ao lado da fé, mas como fruto da fé. Sua medida depende da fé. Assim a experiência é obra do Espírito Santo, não fruto de um movimento psicológico, de uma empolgação, quer pela música ou devido a um grande ajuntamento. Quando experimentamos algo da bondade e do amor de Deus, quando uma santa alegria enche nosso coração, o Espírito Santo no-la concedeu e operou não a nossa razão humana.

1.13 - A vida do cristão é oculta
     Aqui precisamos abordar mais um detalhe em relação à experiência. A própria vida do cristão é oculta. Como? A fé é a certeza de coisas que se esperam. Mesmo sendo a fé um novo nascimento, não posso ver a fé, nem prová-la. Por exemplo, se uma pessoa confessa sua fé, digamos pelo Credo Apostólico, aceitamos sua confissão, mas não posso olhar para dentro dela para de ver se esta fé é verdadeira, se esta pessoa de fato tem fé. Por isso confessamos: “Creio (confio, não posso ver) na santa igreja cristã, a comunhão dos santos”, pois somente o Senhor conhece os seus (2 Tm 2.19). Assim dizemos também no sepultamento de uma pessoa adulta: Esperamos que nosso irmão falecido, adormeceu na fé que confessou. Não dizemos: Temos certeza que este irmão ou irmã está no céu. Lutero afirma: “Nossa vida na fé é semelhante a um tesouro oculto num campo. Ela é tão profunda que os próprios santos não têm consciência de sua verdadeira vida”. E continua: “Por ser esta a sabedoria da cruz, somente Deus conhece o caminho dos justos. Ela é oculta (abscondita) aos próprios justos. A mão direita de Deus os conduz de modo maravilhoso. Este é um caminho do não sentido, da não razão, pois somente a fé enxerga na escuridão as coisas invisíveis” (Lutero). A vida do cristão é uma realidade, não perceptível. Mesmo as obras que são frutos da fé, como afirma Tiago (2.17.18), não são sinais absolutos, pois podem enganar. A nós, o juízo de Deus sobre as pessoas está oculto. Pois carne e espírito em nós estão em constante luta. A vida do cristão ainda está envolta em muita fraqueza, ela não pode ser delimitada. O novo homem está sempre oculto sob velho homem. O cristão é simultânea e totalmente santo e pecador. Por isso, julgamos muitas vezes que alguém, por causa de suas boas obras é um bom cristão, quando na verdade talvez não o seja; a outro consideramos, por causa de suas muitas fraquezas, uma pessoa não cristã, quando na verdade é um cristão.

1.14 - A vida cristã em sofrimento
     Em seu estudo Da vontade Cativa, Lutero afirma: “O estado cristão há que ser oculto sob o contrário, isto é, sua glória tem que apresentar-se na baixeza; sua grandeza, na ignomínia; sua alegria, em sofrimento; sua esperança, no desespero; sua vida, na morte”. Jesus disse: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me (Marcos 8.34). E o apóstolo Paulo afirma: Através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus (Atos 14.22)[40].
    A vontade de Deus pode acontecer quando a nossa não acontece. Lutero escreve: “Quando Deus nos manda ao sofrimento, ele realiza sua obra alheia; nisso, porém, visa sua obra própria (nossa salvação), mesmo que não a reconheçamos”. “No sofrimento Deus vem ao nosso encontro. Por isso, o sofrimento deve ser considerado um santuário que santifica a pessoa, ou seja, separa a pessoa das obras naturais para o serviço a Deus”. “Seu sentido não é destruição como no caso dos ímpios, mas graça purificadora”.
     Ser crucificado com Deus, crer contra a esperança, acontece de duas formas: No interior da pessoa, pela mortificação da carne (Gl 5.24) e de fora, pela inimizade do mundo.

1.15 - Paz, alegria e felicidade
     O mundo os entende a sua maneira, a saber, como coisas terrenas. O pietista e o pentecostal também se afastam da compreensão bíblica e a interpretam ao nível da psicologia, de forma material. A Bíblia fala na paz que excede a todo o entendimento (Fp 4.7), a saber, os sentidos e a experiência ficam sem nada. O mundo não os pode ver. A alegria é no Espírito Santo. A alegria é na promessa de Deus. Pois ao cristão falta, muitas vezes tudo o que proporciona alegria ao homem natural (Sl 73). Também a felicidade está oculta sob a cruz (Rm 8.37-39), pois só ela traz verdadeira felicidade aos filhos de Deus. A palavra busca a fé, a fé dirige-se às coisas oculta. Aqui caberia uma análise sobre o sentido da palavra “paz” nos hinos das seitas.

1.16 - Humildade, tentação e oração
     Lutero destaca três coisas na vida sob a cruz: Humildade, tentação e oração. Humildade, a virtude básica da vida sob a cruz (Dictata super Psalterium). A fé ensina a humildade, pois é a negação de si mesmos, a auto-rejeição total de si mesmo e plena confiança na graça de Cristo. Portanto, não auto-estima, mas estima de Cristo. Quem ostenta sua humildade, não é humilde. Humildade é o renunciar consciente a todas as qualidades humanas com as quais poderia argumentar. Humildade, como a fé, não é virtude, mas renuncia a toda a virtude.

1.17 - Tentação
     A vida sob a cruz é uma vida de tentações. As tentações surgem quando não conseguimos realizar a caminhada da fé. Quando indagamos sobre a razão do sofrimento e quando nos sentimos abandonados por Deus, sim, quando parece que Deus nos odeia. Parece que Deus se contradiz. Esta é a maior das tentações, quando a pessoa se vê abandonada e rejeitada por Deus. O diabo aproveita esses momentos para nos tentar para a incredulidade. Nesses momentos não nos resta outra coisa do que agarrar-nos firmemente, contra todo o pensar e sentir, à palavra de Deus, pois nela Deus nos fala.

1.18 - Oração
     Onde não se ora não há fé, pois a oração é a respiração da fé. Lutero nos lembra da dificuldade na oração. Não é fácil a nós pecadores, colocarmo-nos diante do santo e justo Deus. Estremecemos (Gn 28.17; 32.8-10,30). E ao mesmo tempo importa, nesses momentos, não olhar para nossa indignidade, mas para as promessas de Deus e falar ao nosso Pai celestial, como seus queridos filhos, com toda a confiança em sua misericórdia.
     Por vezes, Deus nos atende de imediato, outras vezes ele nos deixa esperar, ou nos atende ao contrário. O aparente não atendimento, ou ao contrário, é o melhor atendimento. Não colocamos a Deus medida nem alvo para seu auxílio. Mesmo o tirar o sofrimento deixamos a seu encargo. Não queremos agir como as seitas com ordens a Deus, o aqui e agora. Firmados na promessa, temos, em fé, certeza que Deus nos atende como melhor nos convém.
   
1.19 – Misticismo – No tema Teologia da cruz e da glória, não podemos deixar de abordar, mesmo que de forma breve, o misticismo e sua relação com a teologia da glória.
     O que se entende por mística? Loewenich coloca três características: a) Mística, no seu pensar, não pode ir além do ser. Ora, a metafísica se contrapõe à religião. Este é o ponto em que a incompatibilidade entre fé e mística salta aos olhos. A fé não conhece um dissolver-se em Deus, mas sempre e somente um estar perante Deus na comunhão do eu e tu. b) Para a mística, o pecado é criaturalidade, para a fé é desobediência à vontade de Deus. Este é o pior defeito da mística: a rigor, o conceito de culpa não tem lugar nela. Por isso, também não sabe o que fazer com o perdão e a reconciliação. Fé e mística são dois caminhos em direção ao mesmo alvo. A mística é incapaz de suportar a tensão paradoxal de fé e a dissolve. Por isso fé e mística estão entre si como água e fogo (p. 148-150).
     “A teologia verdadeira é justaposta à teologia mística... Teologia da cruz é teologia da revelação; para a mística a revelação histórica é apenas pré-estágio para um imediato entre Deus e alma.” Isto está nas seitas, que por jejuns, orações e cantos querem chegar ao sentir Deus. Isto é misticismo.

     Para concluir o estudo, vamos sintetizar os principais pontos nos quais há conflito entre a teologia da glória e a teologia da cruz. Quanto aos títulos deste resumo, nós nos guiamos, em parte, pelo trabalho do Dr. Wengenroth apresentado em Antígua, Guatemala.

1.20 - Que pregaremos[41]
     As últimas guerras exigiram a morte de milhares e quebraram as ilusões dos “ismus”: nacionalismos, comunismos, socialismo e mesmo da democracia que prometia o céu na terra. Surgiu a “globalização” com suas promessas. Também estas ilusões se evaporaram. Em que vamos crer agora, se indaga.
     Será que a religião cristã tem algo a oferecer? O que a Igreja Católica tem a oferecer ao chamar as pessoas para o encontro de seus santos, da virgem Maria aparecida, nos diversos lugares? Puras ilusões. O que as igrejas Pentecostais e neo-pentecostais têm a oferecer com seus grandes ajuntamentos, com promessa de cura e bem-estar de toda a sorte? Pura ilusão.
     Será que nós luteranos estamos livres de ilusões? Não aspiramos nós também grandes manifestações, grandes ajuntamentos, grandes impactos pelos meios da comunicação? Que pregaremos? É a grande indagação.  Respondo com Lutero: Unna praedica: sapientiam crucis! (Uma pregação, a sabedoria da cruz), que o mundo considera loucura.
    Mas, a sabedoria da cruz não é todo o evangelho. Isto não é estreitar, limitar demais a pregação do evangelho? É a pergunta que ouvimos também em nosso meio. A teologia da cruz não se reduz à Sexta-feira Santa, pelo contrário ela nos leva a pregar no Natal, na Páscoa e no dia de Pentecostes sob o fundamento da cruz. Tudo só será corretamente entendido à luz da cruz. A cruz está oculta no Natal, no milagre da ressurreição, do dia de Pentecostes, sim deve estar em todas as pregações.
     Para Dostojewski, como para toda a igreja ortodoxa russa, o pecador é um pobre doente, que pode ser curado com paciência e amor. Para os romanos, o pecador é um que quebrou o direito e necessita de disciplina. Somente quem exclama como o poeta sacro: “Eu, eu e meu pecado, havemos motivado a tua grande dor...” (HL 94), compreenderá a teologia da cruz.
     Os crucifixos da Idade Média testemunham da teologia da cruz, da satisfactio vicária e podiam confessar: Pró nobis Deo patri satisfecit. Até Thomas de Aquino ( 1224-1274) apesar de toda sua filosofia aristotélica ao vir a falecer no caminho do Concílio de Lyon, aos 50 anos, pediu o sacramento do altar e confessou: “Eu te recebo a ti, o preço da salvação da minha alma...” Toda sua filosofia foi esquecida. Solus Christus. Somente Cristo o crucificado é o conteúdo da teologia. Nada da theologia gloriae, da teologia do triunfo. Lutero viu a cruz diante dele, como talvez ninguém antes, desde os dias do apóstolo Paulo. Ele viu a profundidade da ira de Deus e não somente a grandeza do amor de Deus, mas, ao compreender ambos, ele reconheceu a profundidade do caminho pelo qual Deus veio a nós, à humanidade. O mistério do seu agir, o mistério de sua revelação.
   Qual é o mistério de sua revelação? O homem gostaria de ver Deus. Deus responde: Minha face não poderás ver. Mas a glória de Deus passará por ti (Ex 33.18-23). A tentativa de conhecer Deus pela observação do mundo, da mística, da especulação filosófica (psicologia) é teologia da glória, teologia do homem natural, dos gentios e também de muitos professores de teologia, que oram sem temor de Deus. Pois quem fala sobre um assunto, deve dominá-lo, estar acima do objeto. Assim a teologia está se colocando sempre em perigo de perder o verdadeiro relacionamento com Deus (Cf.: teses 19 e 20 da disputa de Heildelberg).
    A cruz e a revelação. A cruz é o único lugar onde Deus se torna visível. Revelação é sair do abscondito e aparecer, mesmo ao contrário. Isto aconteceu na cruz. Mas ele, como todos os objetos da fé, é oculto. Por isso a fé é a convicção de fatos que se não vêem (Hb 11.1). Enquanto aqui na terra ele é abscondito. Só na eternidade o veremos face a faze (1 Jo 3.2; 1 Co 13.12; Ap 22.4). Ele se revela pela Palavra. Sua revelação ao mesmo tempo é um ocultar-se. Deus se veste com nossa pobre carne e sangue. Seus milagres – que manifestam sua glória, sempre foram mal interpretados. – No casamento de Caná, os discípulos viram sua glória (Jo 2.11), mas os 5 mil convidados nada perceberam. Assim muitos que foram curados e ressuscitados, não perceberam sua glória. A fé sempre lida com o oculto, oculto sob a cruz. (Cruce tectum). Cruz e fé pertencem juntos. A cruz requer a fé, contra o ver.
    Se hoje, diante das muitas ilusões ouvimos que a religião cristã fracassou, há nisso muita verdade. Pois o que se ouve em nossa volta é a “teologia da glória”, em suas mais diferentes manifestações, nos púlpitos, nos grandes ajuntamentos evangélicos, e conferências mundiais, que são fabricas de ilusões.
     Como Deus combate esta falsa teologia? Ele nos envia aos campos de guerra, às prisões, e nos cobre com doenças incuráveis. Moriendo, como Lutero o disse, a “teologia da cruz” é ensinada. Ela é a verdadeira boa nova para a humanidade desiludida de suas alegrias e esperanças. Ela é também a teologia que precisa purificar nossos pensamentos. Se a igreja quer evitar a teologia da glória e precisa aprender que a igreja, a justiça e santidade dos fiéis é oculta. Oculta também é a ação de Deus por seus meios da graça.
     Não posso estar diante da cruz de Cristo como observador, como alguém que profere seu juízo; pois ele é que profere o juízo sobre mim, me condena e me absolve. Aqui está a base da teologia da cruz, e seu lado incrivelmente prático. Crer na cruz significa sempre carregar a cruz. O “sim” à cruz de Cristo é também o “sim” para minha cruz.
     Como a sabedoria de Deus parece loucura ao ser humano, a verdade de Deus, mentira, assim a boa e misericordiosa vontade de Deus na forma de mal, de impiedade que leva ao desespero. A vontade de Deus parece ao homem a vontade do diabo. Tão oculto ele é. E, enquanto a pessoa não abrir mão de sua vontade, intenção, suas concepções e justiça, vontade e verdade, e abrir mão de tudo isso, experimentará o que Pedro experimentou, quando Jesus lhe disse: Em verdade, em verdade te digo que... quando, porém, fores velho, estenderás s tuas mãos e outro te cingirá e te levará para ponde não queres (Jo 21.18). Esta é a experiência da fé, que não vê, nem compreende, mas crê, contra todos os sentimentos, firmado unicamente na palavra de Deus e os sacramentos.   
Conclusão     
    Este pequeno estudo visa clarificar em nosso meio o tema: Fé e experiência, bem como alertar sobre os perigos da teologia da glória. Que Deus o abençoe.
 



 II - Teologia da Glória versus Teologia da Cruz

     A teologia da glória como a teologia da cruz são uma forma de ler e interpretar a Bíblia, como nós o destacamos no início do trabalho. Elas não são uma doutrina específica, mas focam o acento, o ponto de partida na interpretação das Escrituras.  
     A teologia da glória procede do calvinismo e perpassa quase todas as denominações evangélicas. Faz-se sentir, especialmente, no pentecostalismo e nos neopentecostais. Eles vêem o pecado como uma doença e negam a corrupção total do ser humano (pecado original). Eles atribuem à razão humana a capacidade de tomar decisões em coisas espirituais, como por exemplo: decidir-se por Cristo. São, portanto, sinergistas no sentido amplo. O ser humano colabora em sua salvação. Como sinergistas, eles vêem e falam de Cristo mais como Senhor que deve ser obedecido, do que como Salvador, que nos redimiu. Recentemente um desses pregadores neo-pentecostais falou sobre: Atitudes. Ele disse o seguinte: “Noé tomou a atitude de obedecer a Deus e tornou-se o salvador da humanidade. Abraão, mesmo não sabendo para onde iria, tomou a atitude de deixar guiar-se por Deus e tornou-se o pai da fé (fé como obediência). José, no Egito, tomou a atitude de não adulterar, e tornou-se vice-rei do Egito. Moisés tomou a atitude de obedecer a Deus e tornou-se o libertador do seu povo”, e assim por diante. Tudo está centrado na ação humana, no obedecer. Daí os títulos de seus livros: Dez regras para um casamento perfeito. Cinco passos para uma vida bem sucedida. Ect. Tudo isso é oposto à teologia da cruz.
    A teologia da cruz tem seu centro no que o apóstolo Paulo afirma: Nós pregamos a Cristo crucificado (1 Co 1.23). Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus (1 Co 1.18). Pois muitos andam entre vós, dos quais repetidas vezes eu vos dizia e agora vos digo até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo (Fp 3.18). A cruz é juízo e consolação. Tudo é provado pela cruz. Concluímos, pois, que o homem e justificado pela fé, independentemente das obras da lei (Rm 3.28).
     Estamos rodeados pela teologia da glória. Ela invade nossos lares pela mídia e facilmente contagia nosso modo de pensar e a vida congregacional. Por isso importa vigiar.
     Esta teologia afeta especialmente as seguintes áreas da vida congregacional, gerando ali conflitos com a teologia da cruz.

1.      Fé – Em ambas as teologias fala-se em fé. Na teologia da glória se fala de Cristo como vencedor e Senhor dos senhores. Fé é submeter-se a Cristo e obedecer. Quem o adora e lhe obedece, este, já nesta vida, será recompensado com sucesso. A teologia da glória é sinergista. Ela defende vários caminhos para a salvação, o que vem à tona pelo unionismo – Na teologia da cruz se acentua Cristo como nosso único e suficiente Salvador, que nos reconciliou com Deus Pai. Nele temos completo perdão dos pecados, vida em comunhão com Deus, vitória sobre a morte, pois passamos da morte para a vida (Jo 5.24), e aguardamos a ressurreição da carne e a vida eterna. Mas, enquanto aqui na terra estamos ainda sob cruz e sofrimentos, em luta com nossa própria natureza carnal e as tentações do mundo, que jaz no maligno. A glória nos está reservada no lar celestial. A fé é um dom de Deus, operada pelo Espírito Santo através dos meios da graça, Palavra e Sacramentos (Batismo e Santa Ceia), estes claramente pregados e administrados. É confiar unicamente na graça de Cristo. Somos salvos pela fé, sem as obras da lei, mas a fé necessariamente produz boas obras.

  1. Culto e Música – Lutero e seus colaboradores insistiam que no culto Deus nos serve por Palavra e Sacramentos. Eles são o centro do culto. Nós agradecemos e louvamos a Deus. Sabemos também que a música não é neutra. Ela tem sua dinâmica própria pela qual reforça ou solapa o conteúdo da letra. A música, conforme as diferentes emoções que desperta, é dividida em dionysiana e apolliana[42].
a)      Culto. Na teologia da glória, que é sinergista (o homem coopera em sua salvação) dá-se valor ao preparo do ambiente, a empolgação a fim de levar as pessoas à êxtase. Exemplo, o culto ao bezerro de ouro (Êx 32). Na teologia da cruz, tudo está centrado, com grande temor e reverência, na Palavra e Sacramentos, pelos quais o Espírito Santo opera, levando ao arrependimento e à fé, consolando, reerguendo e enchendo os corações de esperança.
b)      Música. Na teologia da glória a música dionysiana, que é subjetiva e antropocêntrica, desperta fortes emoções e é capaz de levar a êxtases. Na teologia da cruz a música apolliana tem preferência. Ela também transmite emoções e alegria, mas a pessoa permanece no controle de sua mente e de suas emoções, pois o cristão não busca a certeza de sua salvação em suas emoções, dentro de si, mas na Palavra, fora de si. Por isso, a grande diferença da música nas igrejas, devido a sua íntima ligação com a teologia[43].

  1.  Misticismo – A teologia da glória fomenta o misticismo por suas mensagens, cantos e jejuns, a buscarem um contato direto com Deus fora da Palavra de Deus. Lutero os chamou de “entusiastas”. A teologia da cruz é completamente contrária ao misticismo. A teologia da cruz é teologia da Palavra, fé, confiança, na graça de Cristo.

  1. Vida santificada – Na teologia da glória busca-se o Espírito Santo por meio de jejuns e clamores, em busca de sinais visíveis de sua presença, como o falar em outras línguas, a operação de milagres e revelações especiais e suas interpretações. Ensina-se também que o cristão, agora, transformado, não peca mais, exceto pequenas fraquezas. – A teologia da cruz ensina o apego aos meios da graça, Palavra e sacramentos, pelos quais o Espírito Santo trabalho quando e onde lhe aprouver (CA V), quer eu o sinta ou não. Somos simultâneae inteiramente santos e pecadores, isso coloca um fim às aspirações da teologia da glória, afirmando que a fé é o critério decisivo para a vida cristã, pois a igreja não tem sua perfeição na santidade de sua vida, mas pelo receber o perdão dos pecados. Como Lutero o colocou em seu comentário à tese 28 na disputa de Heidelberg: “Pecadores são bem-aventurados porque são amados, mas eles não são amados porque são bem-aventuados”.
  
  1. Estrutura congregacionalNa teologia da glória se defende uma democracia igualitária, isto é, não há diferença entre leigos e pastores. – Na teologia da cruz se reconhece o sacerdócio universal de todos os crentes e também o santo ministério como instituído por Deus, sendo os ministros não superiores, mas servos da congregação.

  1. Estratégias evangelísticas e missionárias. – Há dois pontos aqui. Primeiro, na teologia da glória a adoção das tradições e da cultura local, formas musicais e de danças é importante, pois se julga que esta tornará o evangelho mais aceitável; segundo, dá-se grande importância à organização da estrutura social que consideram tão importante na missão quanto a pregação da Palavra - Na teologia da cruz a pregação da palavra de Deus de forma clara e pura, com correta distinção e aplicação de lei e evangelho, para arrependimento e fé, é considerado a missão principal da igreja, que modifica culturas. O escândalo da cruz é inevitável (Jo 6.60). Da fé brota o amor aos necessitados.

  1. Ecumenismo. - Na teologia da glória promove-se uniões e cooperações, independente da unidade doutrinária. Defendem a diversidade na união, pois crêem que a magnitude organizacional e grandes multidões são um fator para o sucesso, para estabelecer o reino de Deus (material) no mundo[44]. – Na teologia da cruz, as pessoas sabem-se sob a cruz e que a verdadeira unidade da igreja é invisível, pois é fé no coração. A nós cabe preservar a unidade do Espírito no vincula da paz (Ef 4.3), a saber, na pureza doutrinária (At 2.42; 1 Tm 4.16; 1 Tm 6.3).

  1. Prosperidade. – Na teologia da glória vê-se na prosperidade e no crescimento externo um sinal da bênção de Deus. Com isso colocam a ação de Deus em mãos humanas. – Na teologia da cruz sabe-se que o Espírito Santo trabalho “onde e quando lhe aprouver” (CA V), neste mundo nós somos peregrinos e forasteiros sob cruz e sofrimentos.

Bibliografia
1)      Loewenich, Walther von. A Teologia da Cruz de Lutero. Editora Sinodal. São Leopoldo, RS, 1988.
2)      Wengenroth, Karl, The Theology of the Cross, a theological historical treatment, apresentado em Antigua, Guatemala, 05/08/1981.
3)      Klän Werner e Barnbrock, Christoph. Heilvolle Wende. Edition Ruprecht, Göttingen, 2010, ps. 114ss.
4)      Martinho Lutero, O Debate de Heidelberg. Obras Selecionadas. Vol. I, p. 35ss. Editora Sinodal, São Leopoldo e Concórdia Editora, Porto Alegre, RS. 1987.
5)      Martinho Lutero, Da Vontade Cativa. Obras Selecionadas, vol. IV, p. 11ss. Editora Sinodal, São Leopoldo e Concórdia Editora, Porto Alegre, RS.1993.
6)      Walther, Carl F. W. Lei e Evangelho. Editora Concórdia, Porto Alegre, e Editora da ULBRA, Canoas. RS. 2005.
7)      Pieper, Dr. Franz, Christliche Dogmatik. St. Louis, MO. Concordia Publishing House, 1929. Vol. I, p. 73-74; Vol. III, p. 154-155.
8)      Castelo Forte, Devoções Diárias, Comissão Interluterana de Literatura. Concórdia LTDA, Porto Alegre, RS e Editora Sinodal, São Leopoldo, RS. 1983.
9)      Grieger, M.J. A Comunicação Musical na Igreja. Queensland, Austrália, 1982
10)   Sisto, Celso. Cruz-Credo. Larousse do Brasil, São Paulo, 2008
11)   Crucifixo. O crucifixo como símbolo começou ser usado no terceiro século. Tertuliano (160 – 220 AD) chamou os cristãos de a crusis religiosi (devotos da cruz). O primeiro ícone da crucifixão temos na Basílica de Santa Sabina (422 – 432; ampliada em 824 – 827), a mais conservada em Roma. Nas catacumbas temos diversos desenhos como o do Bom Pastor com a ovelha nos ombros, a Santa Ceia, a Pomba, representando o Espírito Santo, o Alfa e Omega, começo e fim, o símbolo do Peixe (Jesus Cristo, Filho de Deus), a figura do Orante (Um homem orando de braços abertos), mas nenhuma cruz.
12)   Ngien, Dennis, The Suffering of God, According to Martin Luter`s Theoloogia Crucis. Regent College Publishing, Vancouver, British Columbia, 1995.
13)   Althaus, Paul, Teologia de Lutero. Co. Editora da Ulbra, São Leopoldo e Editora Concórdia,, Porto Alegre, 2008, p´g. 41-50.
14)    Goerl, Otto A. Cremos por isso também falamos. Editora Concórdia S.A. Porto Alegre, 1977

15)   Sasse, Hermann, In status confessiones2, Verlag die Spur GMBH &Co., Berlin, 1976

 Nota: O crucifixo que escandalizou a muitos, foi o que o papa João Paulo II usou, aprovado pelo Concílio Vaticano II (1962 – 1965), a cruz envergada. Uma distorção de Cristo, da magia negra e feiticeiros da Idade Média. Com isto a Igreja Católica e o Papa queriam demonstrar ao mundo que estão comprometidos com a “Nova Ordem Mundial” e o Papa e o Líder Religioso Mundial.
      Evangélicos de modo geral repudiam a cruz. Uns aceitam a cruz vazia como símbolo da vitória e ressurreição de Cristo, mas a maioria, baseados numa falsa interpretação de Êxodo 19.4, o não fazer imagem, repudiam qualquer figura. Eles têm verdadeira aversão à veneração do crucifixo, o beijar a cruz, o ajoelhar-se diante do crucifixo no altar. Dizem que Lutero começou bem a Reforma, mas não a completou. Ele ficou com muita coisa repugnante dos católicos, como o batismo, a Santa Ceia, o crucifixo, etc.
     O pastor Mario Persona, em sua página (www.respondi.com.br), escreve: “A cruz foi um instrumento do suplício de meu Salvador. Eu não queria pendurar, no meu quarto, um pedaço de corda com a qual um amigo meu foi injustamente enforcado. Como pois vou pendurar uma cruz ou crucifixo no meu quarto, casa, igreja, ou usá-lo como enfeite? Cruz, na Bíblia, significa a obra de Jesus em sua totalidade, por meus pecados. Lembrar a cruz não significa lembrar o instrumento, mas o sacrifício”.
      Lutero recomendou o crucifixo, para lembrar nossa culpa. Ele foi sacrificado por nós. E nossa pregação é o Cristo crucificado. Nós usamos o símbolo de forma didática, para lembrar, para tê-la diante dos olhos, não para venerar, beijar, adorar ou amuleto.  A maioria dos evangélicos se escandaliza também com nosso uso do Altar e especialmente a reverência que fazemos ao nos aproximarmos do altar. Nossa reverência não é ao altar em si, à cruz ou crucifixo sobre o altar, mas no sentido de estarmos pisando em “terra sagrada”. E nisto nós nos destacamos dos evangélicos que só tem a cruz vazia, que pendem para a teologia da glória, o outro lado dos católicos.
                                                                                                                                                                              
                                                                                             São Leopoldo, 16/10/2011
                                                                                                Horst R. Kuchenbecker




[1] Busca da salvação pelas obras.
[2] Martin Lutero, Obras Selecionadas, Vol. I, páginas 37ss. e 55ss..
[3] Diinis Ngien, The Suffering of God, According to Martim Luther`s Theologia crucis. Regent Coolege Publishing, Vancouver, British Columbia, 1995
[4] Questionário Cristão, pergunta 10: O Pai também morreu por ti? O Pai não morreu; porque o Pai é só Deus, como o Espírito Santo também é só Deus; mas o Filho é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que morreu e derramou o seu sangue por mim (Catecismo menor).
[5] Dogmática de Müller, pág. 269.
[6] Idem
[7] Dog. Pieper, vol II – Pessoa de Cristo.
[8] Cf.: Artigo 8º da Fórmula de Concórdia. Otto A. Goerl. Cremos Por Isso Também Falamos; Concórdia S.A. 1977, p. 89ss.
[9] O grosse Not! Gott selbst ist tot, am Kreuz ist er gestorben, hat dadurch das Himmelreich uns aus Lieb` erworben (O Traurigkeit, o Herzeleid! De Johann Rist (1607-1667) [Oh! grande aflição. Deus está morto. Ele morreu na cruz. Ele, por amor, nos conquistou o céu]
[10] Lutero diz que o orgulho dos homens é inflamado por seus conhecimentos da natureza invisível de Deus, bem como pelo conhecimento das próprias obras dos homens. “É impossível para uma pessoa não ser inflamada por suas boas obras... Tal sabedoria que vê a natureza invisível de Deus em obras como percebidas pela pessoa é completamente inflada, cega e endurecida.” WA 1.362; LW 31.53.
[11] Aquele, no entanto, que se esvaziou a si mesmo pelo sofrimento não continua fazer boas obras, mas sabe que Deus trabalha e faz todas as coisas nele. Por esta razão, se Deus faz obras ou não, é tudo a mesma coisa para ele. Ele não se inflama se faz boas obras, nem se perturba se Deus não faz obras através dele. Ele sabe que é suficiente se ele sofre e é humilhado pela cruz, a fim de ser destruído cada vez mais.” WA 1,362ss; LW 31.55.
[12] WA 5.42,35; LW 14,305,309.
[13] “Os dons e benefícios de Deus estão ocultos, (escondidos, sob véu) sob a cruz que o ímpio nunca poderá ver nem reconhecer, antes os considera somente sofrimento e desgraça.” WA 31/3,51; cf.: LW 14.58.
- Assim o favor aplicado por Deus neste pequeno grupo é completamente oculto ao mundo e parece ser nada do que ira eterna, castigo e tormentos provindos do próprio Deus. WA 31/2,91; LW 14.58.
- Externamente sua graça parece ser nenhuma outra coisa do que ira, tão profunda sepultada (escondida) sob duas grossas peles ou coros. Nossos oponentes e o mundo a condenam e a evitam, como a uma praga ou a ira de Deus e nós não sentimos muito diferente a esse respeito.
- O apóstolo Pedro afirmou : (2 Pe 1.9) A palavra é igual a uma lâmpada que brilha em lugar tenebroso. E o mundo é um lugar tenebroso. Por isso, a fidelidade e verdade de Deus sempre precisam tornar-se, em primeiro lugar, uma grande mentira, antes de virem a ser verdade. O mundo a chama de verdade herética. E nós também somos tentados constantemente a crer que Deus nos abandou se não guardarmos sua palavra em nossos coração, então começamos a pensar, que ele é mentiroso. Resumindo, Deus não pode ser Deus, a não ser que ele se torne um diabo. Não podemos ir ao céu, a não ser que vamos primeiro ao inferno. Não podemos vir a ser filhos de Deus, a não ser que venhamos a ser primeiro filhos do diabo. Tudo o que Deus diz e faz, o diabo tem que dizer e fazer primeiro. E nossa carne concorda. Por isso, o Espírito precisa nos iluminar e ensinar a palavra de Deus e a crer. Da mesma forma, a mentira deste mundo não pode vir a ser mentira, sem que primeiro venha a ser verdade. Os ímpios não vão ao inferno sem terem primeiro irem ao céu. Eles não vêm a ser filhos do diabo a não ser que primeiro tenham sido filhos de Deus.
- Resumindo, o diabo não veio a ser e não é um diabo, sem primeiro ter sido Deus. Ele não veio a ser um anjo das trevas sem ter sido primeiro um anjo da luz (2 Co 11.14ss) “Eu conheço bem que a palavra de Deus é. Isto significa que a teologia da cruz de Cristo é o padrão pelo qual todo o conhecimento teológico é medido, quer da realidade de Deus, de sua graça, de sua salvação, da vida cristã, ou da igreja de Cristo. A cruz significa que todas estas realidades são ocultas. A cruz oculta o próprio Deus. Pois ela não revela o Deus onipotente, mas desamparado. O poder de Deus aparece não direta mas paradoxalmente sob o desamparo e humilhação. Isto faz com que a graça de Deus está sob sua ira e que seus dons e benefícios estão “escondidos sob a cruz.”, em outras palavras, sob “sofrimento e desgraça.” O mundo vê somente a ira e a desgraça. Visto que nós e nosso coração são parte deste mundo, nós também só sentimos ira e desgraça. A realidade de Deus, por isso contradiz completamente o padrão do mundo. Aos olhos do mundo  - e estes são também os nossos olhos – a verdade de Deus parece ser mentira e a mentira do mundo parece ser verdade.  O mundo – e  cristãos pertencem ao mundo – julgam Deus à base do que ele faz com o que é seu e concluem que ele é um diabo. Isto vem a ser primeiro uma grande mentira, dentro de mim, antes que venha a ser verdade. Eu também sei que o diabo precisa primeiro vir a ser a delicada verdade de Deus antes que venha a ser uma mentira. Eu preciso conceder ao diabo a sua honra de piedoso e atribuir ao nosso Deus ser o maior dos demônios. A última palavra é:  “Sua fidelidade e verdade dura para sempre.”WA 31/1,249; LW 14.31s.
[14] Ele (Deus) faz-se a si mesmo parecer um diabo.” WA 41,675.
[15] Atlhaus, Paulo. A Teologia de Martin Luther
[16] Não que seja totalmente errado relatar experiências, mas no culto Deus fala a nós e tudo deve estar centralizado nele. Experiências são subjetivas – nem sempre sabemos se foi exatamente assim – elas cabem melhor em outras reuniões, como estudos ou departamentos.  
[17] Mt 24.3; Mc 8.12; At 2.22
[18] Castelo Forte, 1983, p. 1/11.
[19] A doutrina do milênio não é outra coisa do que o velho sonho judaico de que: Todos os judeus se converterão, milagrosamente, a Cristo e reinarão por mil anos num mundo esplêndido aqui na terra.
[20] F. E. E. Schleiermacher, 1768-1834. J. C. R. von Hofmann, 1824-1902.
[21] O psicólogo vista anular o sentimento de culpa via aconselhamento, tentando levar a pessoa a compreender que a culpa de sua ação não era dele. Ou então tentando penetrar, via perguntas, no coração da pessoa, a fim de ver por que agiu assim. O profeta afirma: Enganoso é o coração , mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?(Jr 17.9)
[22] Conforme a lei natural inscrita nos corações.
[23] Art. De Esmalcalde III, 2 e 3; LC p. 325.
[24] Art. De Esmalcalde III.4; LC p. 325.4
[25] Dogmática de Pieper, vol. I, p. 73-74
[26] O Bispo luterano, sueco, Bo Giertz, escreve: Não há nada mais difícil do que consolar um bom cristão. (Und etliches fiel auf den Fels.Brockhaus Verlag Wuppertal,1978).
[27] A concepção de pecado hoje é simplesmente uma pequena vergonha, nada mais. Não mais a uma ofensa a Deus, a culpa diante de Deus.
[28] Sou nova criatura. Cuidado com a expressão: Sou transformado. Em que eu seria transformado? Minha carne, minha natureza carnal não foram  transformados. O que houve é que algo bem novo foi criado em mim, a fé, o novo homem. – Mas a Escritura não fala em transformação, “transformai-vos” (Rm 12.2)? E Lutero ao falar da fé, afirma: “a fé nos transforma e novamente nos gera de Deus”? (Livro de Concórdia, p. 592). Sim! Mas isto se refere à luta entre o novo e o velho homem em nós, como exposto na 4ª do Batismo (Catecismo Menor).  
[29] Sinergismo: De synergeo, eu coopero. O ensino de que o homem tem o poder de cooperar com Deus em sua conversão e salvação (Católicos e reformados). Mas 1 Co 3.9 e 2 Co 6.1: somos cooperadores de Deus na lavoura de Deus, e: na qualidade de cooperadores de Deus, não tem nada a ver com a cooperação na salvação, pois tratam tão somente da proclamação da palavra de Deus.  
[30] Antinomistas. Sempre os houve, desde o começo do cristianismo. Lutero o define assim: “Ensinam, perniciosamente, que a lei de Deus deve ser simplesmente removida da Igreja” (24ª tese de sua primeira disputa com os antinomistas).  Cf.: Fórmula de Concórdia, Epítome, V e VI tese: Lei e Evangelho (Antinomismo).
[31] Este é o sinergismo de Melanchton: Causas da conversão: O Espírito santo, a Palavra de Deus e a vontade do ser humano. (Cf.: Goerl, O.A. Cremos, por isso também falamos. Concórdia S.A., 1977, p. 23).
[32] Osiander de Nürnberg, defendeu a justificação pela graça infusa, o Cristo em nós, controvérsia Osiândrica. (Cf.: Idem, p. 23)
[33] Walther, C.F.W. Lei e Evangelho. Co edição, Editora Concórdia, Porto Alegre e Editora da ULBRA, Canoas. 2005, pág. 125-187.
[34] As seitas procuram criar estes momentos, especialmente pela música. O culto deles começa com vários cantos. O canto começa lúgubre, triste, devagar, então começam a acelerar o ritmo. Cada vez mais alto. Levantam as mãos, gritam, pulam e então começam a amenizar o canto, até terminar num sussurro. E dizem: Experimentei a Deus. Foi maravilhoso. Mas, por tal sentimento não estar baseado unicamente na palavra de Deus é um engano sentimental.  
[35] A compreensão disto é importante no evangelismo. Alguns usam a pergunta: Você tem certeza de sua salvação? Depende quando alguém é perguntado, até um bom cristão pode responder: “Não, não tenho! Quem me dera tivesse”. Que vamos dizer a ele. Supor que ele não seja um cristão? Ou conduzi-lo para dentro da Escritura e mostrar-lhe o amor de Deus, em que deve se agarrar?  (Cf., o capítulo 11).
[36] Que é o pecado original? O pecado original é o pecado que herdamos de Adão, isto é, a completa corrupção de toda a natureza humana, agora privada da justiça original, inclinada para todo o mal e sujeita à condenação (Cat. Menor, perg. 100)
[37] Confira alguns exemplos: 1 Sm 22.6-19; 1 Rs 21.8-16; At 7 e 12
[38] Para isso contam histórias moralizantes do japonês, do chinês, do indiano e não notam que seus sermões são simplesmente moralizantes.
[39] Pieper, D. Franz, Christliche Dogmátik. Vol III, p. 154-155. Concórdia Publishing House, St. Louis, MO., 1924)
[40] WA XVIII, 633.7
[41] Teologia da cruz (resumo de um trabalho do Dr. H. Sasse, em Statu Confessionis 2)

[42] Dionysiana é a música que comunica emoções com força e excita à alegrias ou emoções que dominam a pessoa, arrasta a pessoa (Batuque, Rock, Pop). Música apolliana também estimula as emoções à alegria, mas é uma alegria diferente, na qual a pessoa permanece no controle de sua mente e de suas emoções. Esta é própria para a igreja (Grieger, M. J. A Música na Igreja. Queensland, Austrália, 1982). 
[43] No passado podia-se fazer clara distinção da música usada nas igrejas, visto que a teologia influenciava a música. Assim a Igreja Católica tinha uma música mais lúgubre, Luterana se destacaram por seus corais, conforme os texto, sérios ou alegres. Metodistas e Adventistas, por seus conjuntos sentimentais, etc.
[44] A divisão da cristandade é um escândalo, por isso Jesus orou pela união para que o mundo creia que tu me enviaste (Jo 17.21-22). Nada escandaliza mais do que pessoas que se dizem discípulos de Cristo estarem separados em diversos grupos, por cismas e heresias, mesmo diante a mesa do Senhor. A solução, no entanto, não é a comunhão aberta, nem o simples amor que transforma a igreja numa reunião social, mas o verdadeiro amor à Palavra de Deus que nos ordena repudio ao desvio da palavra de Deus, aos falsos profetas, e o permanecer na verdade.   

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